Com o novo calção de banho e a metade do dia para vadiar chego a Itapuã. A praia idealizada por Toquinho e Vinícius não é mais a mesma, pelo menos em dia de feriado nacional

Salvador – O que tem caracterizado essa passagem por São Salvador é o contato com as pessoas; os negrões e mulatas, taxistas e cobradores de ônibus, garçons e balconistas dessa Bahia de Todos Os Santos, exaustivamente narrada e descrita na prosa de Jorge Amado, das décadas de 50 e 60, com seus estivadores e prostitutas que gravitavam em torno do Mercado Modelo. Hoje, sem puritanismo, diminuíram os estivadores e as meninas de programa estão um pouco menos camufladas, mas o espírito afetuoso do baiano que não liga para a crise do mundo e para a lama do cerrado, continua como um modelo para o Brasil.

Em que pese a difícil situação socioeconômica do Estado e das dificuldades traduzidas na vida prática do povo baiano, o espírito carnavalesco – embora enrustido no peito do soteropolitano que tem que levar o pão para casa todo dia – se aflora em sorrisos e bem tratar quando perguntamos: “Que ônibus vai para Itapuã?” Com aquela luminosidade peculiar do baiano (o sotaque é menor ao ouvido comparado há 30 anos atrás, quando aqui estive pela primeira vez, afinal a Bahia também experimentou o fenômeno da coisificação cultural), me respondem, assim meio rindo, assim meio cantando: “Pegue o Lapa ou o Flamengo que o senhor chega lá”.

Agradeço, no mesmo instante em que uma morena baiana que estava no ponto, e ouviu a conversa, acrescenta que havia outras opções de praia e me recomenda não ficar em Itapuã em dia de feriado nacional, mas ir adiante, para a praia do Flamengo.

Como são agradáveis os baianos! Não economizam em informar e – ao contrário do que se apresenta na crítica etnográfica – procuram a precisão

Como são agradáveis os baianos! Não economizam em informar e – ao contrário do que se apresenta na crítica etnográfica – procuram a precisão. Não estão com pressa e isso quer dizer que se importam, pelo menos naquele instante, com as pessoas.

O bom baiano mal me conhecia e já mostrou as fotos de seus familiares…estava no paraíso com irmãos…

“Não vote em branco”

Com o novo calção de banho e a metade do dia para vadiar chego a Itapuã. A praia idealizada por Toquinho e Vinícius não é mais a mesma, pelo menos em dia de feriado nacional. Salvador é hoje a quarta ou quinta maior metrópole brasileira em números de habitantes e os meninos, conta-me a vendedora de acarajé, estão nascendo e sendo criados pelas mães ou pelas avós. O congestionamento de vendedores de picolé capelinha, birinigth, queijo assado ao melaço da cana, entalhes em madeira, camisetas estampadas, penduricalhos de coco, balangandãs de prata e ostras com limão e sal mostra a luta do povo baiano para a sobrevivência em detrimento dos governos que têm.

O rastafari, retinto como a asa da graúna, passa com uma camiseta branca com letras escuras garrafais: “Não vote em branco”. E me abre um sorriso para conquistar freguês europeu. Nessa inter-racial São Salvador, onde a cor do mar, do sol e do som prevalecem, a mensagem é para não pensar-pensando, nesses dias que antecedem as eleições de um ano qualquer do passado.

Piriripororó, piriripororó piriripororó! canta o vendedor de queijo com sua panela de pressão carregada de brasa e carvão. Espanta a tristeza enquanto atrai freguesia com seu jeito garoto de comerciante. Piriripororó! Vende quatro, cinco, seis espetinhos de uma só vez para um grupo de turistas. Vai pela areia cantarolando feliz o seu mantra de sobrevivência: piriripororó, piriripororó, piriripororó…e se perde na direção do farol.

Sururu

Começa um sururu. E a turma do deixa-disso logo aparece apartando os briguentos. Imediatamente sai da cena musical Toquinho e entra o Gil com seu Domingo no Parque. “Lá perto da Boca do Rio foi que ele viu Juliana na roda com João”. É briga política de cabos eleitorais? Não, é desavença passional. Paro na baiana e almoço um acarajé com pimenta e, como sobremesa, um pastel de queijo provolone. Sacramento a síntese gastronômica de meu estômago e do meu país. A baiana me trata cordialmente e pergunta se quero outro acarajé ou um vatapá; agradeço e saio bebendo minha água de coco, com uma sensação de ser bem atendido. O barraqueiro me traz a cadeira, o guarda-sol e o álbum de fotografias de um passeio que fez a Itaparica com a família. Isso é para me sentir em casa, e me senti. O bom baiano mal me conhecia e já mostrou as fotos de seus familiares…estava no paraíso com irmãos…

A baiana me trata cordialmente e pergunta se quero outro acarajé ou um vatapá; agradeço e saio bebendo minha água de coco, com uma sensação de ser bem atendido

Terceira Veia do coração baiano

Essa hospitalidade para os sismógrafos técnicos do turismo, pode parecer resultado de programas de formação de receptivo, financiado por algum órgão fomentador de normas e condutas. Pode ser, mas não. Esse modo espirituoso, alegre, por vezes debochado de tratar bem um ser humano (seja ele jornalista, turista, executivo, mineiro ou capixaba, inglês ou croata), é parte integrante da terceira veia que irriga o coração brasileiro, e em especial o do soteropolitano, que quer dizer povo da Bahia. Viva o povo da Bahia, viva a hospitalidade!

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