Por Paulo Atzingen

Ao passar pela vendedora de frutas me veio aquele cheiro do passado. Estava em plena avenida Consolação e a velocidade dos carros foi cortada por uma lâmina mais rápida, mas tênue, uma mistura de olfato com tato, visão e estado de espírito, que me levou, num lapso de tempo, à década de 70 – quando meu irmão Eduardo comandava a loja de produtos agropecuários. Era como se um raio de sol viesse montado em uma lufada de vento diretamente daquele ano e mês, daquele dia e exatamente daquele instante quando eu, com os meus oito anos de vida trazia um brilho nos olhos que se extasiava com tudo o que era novidade, tudo que tinha cores e tudo o que tinha movimento.

O cheiro da manga e o vento de primavera lavou minha cara e ao olhar para os sacos de ração e gaiolas da loja me veio uma impressão de felicidade ou algo que possamos chamar como tal. Naquela época não sabia o que era moda, cultura, tempo, hierarquia, ética, conceitos, compromissos, contas, horários, nem estações do ano… Meu sonho de consumo era a luz da manhã, o cantar dos sabiás nas árvores e os marrecos que desciam os degraus da loja e berravam na calçada: Qué Qué Qué Qué….!!!!!

Amava (eu na verdade não sabia o que era amor, já que eu carregava o próprio amor) as pessoas com pressa, os camelôs com seus brinquedos mágicos, o mendigo, o engraxate, o carro da polícia, o bandido…e a loja que vendia alpiste, comida de coelho e sementes de hortaliça que meu irmão trabalhava.

É impactante como perdemo-nos de nós mesmos com o passar dos anos e de repente nos vemos diante de um espelho abstrato, já sem um olho, sem uma narina, sem a falange dos dedos, e, às vezes, sem o coração.

Todos os dias agora passo pela Consolação, não existe mais a loja de ração, nem os marrecos e tudo está mudado. Mas existe uma primavera em meu peito que busca diariamente àquele raio de sol dos meus oito anos, que vinha montado em um caracol de ar, de cores e de tudo o mais…

São Paulo, 26 de outubro de 2011

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