Não escrevo porque
Não escrevo porque sou hóspede do profeta sem morada

por PAULO ATZINGEN

Não escrevo porque tenho que aguardar a mensagem do celular e escrever sepulta meu lado cínico de copiador. Não escrevo porque tenho que mandar um áudio no whatsapp e, sinceramente, sou desastroso na coerência e escrever me coloca frente a frente com o pau oco que me transformei ao longo dos anos, sem conteúdo e sem consistência. Não escrevo porque tenho que encontrar idéias próprias e prefiro copiar a frase bacana e parecer ser o que não sou. Não escrevo porque me acostumei com os lugares comuns e o cadafalso dos adjetivos.

Não escrevo porque conheci pouco a vida e as lições que tive dos lugares e das pessoas foram só de simplicidade e humildade, o que não interessa pra ninguém. Não escrevo porque meu time não é campeão e minha insistência em segui-lo é uma forma de justificar minha ausência na família. Não escrevo porque fugi da briga, do soco e do tiro o que me torna um personagem coadjuvante em um drama que não participei.

Não escrevo porque tive a audácia de jogar meu tempo pela janela e aguardar sentado e sozinho o pôr do sol. Não escrevo porque não li Manuel Bandeira e não soube que seu balão caira nas águas puras do mar alto. Não escrevo porque vi uma constelação em noite mais negra que a morte e ao maravilhar-me, emudeci. Não escrevo porque dei com a cara na porta das possibilidades infinitas e essas, ao me libertarem, tornaram-me aquele que viria a ser. Não escrevo porque não entendi a harmonia das obras de Beto Guedes e a sua Janela Lateral, seu Amor de Índio e seu Sol de Primavera.

Não escrevo quando a felicidade bate a porta me chamando para sonhar. Não escrevo sobre experiências oníricas porque me falta talento para a imaginação e para o transcendental. Não escrevo porque não tive incentivo e porque os livros eram caros. Não escrevo pois estou de barriga cheia e a geladeira lotada. Não escrevo quando há oferta demais e vitrines de coisas que jamais precisei.

Não escrevo para super-homens, candidatos a heróis e salvadores da pátria porque eles têm a sua própria medida de hipocrisia. Não escrevo para funcionários púbicos que se encostaram na mesa e contam os dias e as horas para voltarem para casa ou se aposentarem. Não escrevo para palacianos porque minhas palavras não atendem ao protocolo e ao cerimonial, muito menos ao orgulho, à honra e à hipocrisia que se desprendem de tudo isso e cheiram a pus.

Não escrevo porque meus professores de escola pública resolveram me ensinar gramática ao invés de me incentivar a ler. Não escrevo porque tenho medo de expor-me; desnudar-me e ser criticado. Não escrevo porque me apavora ser comparado ao escritor célebre autor de auto-ajuda; não escrevo porque tenho sequestrado em mim a coragem dos suicidas. Não escrevo porque me convidam para o chá da tarde com conversinhas amenas, não escrevo porque tenho que lavar meu carro; não escrevo porque estou em um engarrafamento de tédio e de prédios. Não escrevo porque me deram de presente uma TV de plasma com assinatura de canais com filmes espetaculares.

Não escrevo porque sou hóspede de um Profeta sem morada e escrever sobre estrelas, quasares e poeira cósmica só seria redundância.

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