Esse nome alemão que eu tenho (1)

Alemãozinho batata comer queijo com barata….

Esse nome alemão me acompanha como um carma, às vezes para o bem, às vezes para o mal. Para o bem porque em eventos internacionais me tratam como um nobre saído de uma extirpe da alta linhagem suíça-germânica. Para o mal porque às vezes, os mal letrados, ignorantes e maldosos acham que todo alemão tem parentesco com o Hitler. Duas bobagens que faço questão logo de esclarecer. Sou da terceira ou quarta geração de alemães trabalhadores que em fuga da primeira guerra bateram nas costas brasileiras e foram plantar café no interior paulista e de nobre não possuíam nada além da vontade de trabalhar e reconstruir sua vida e sua dignidade. De nobre tenho a lembrança de um pai ferroviário e uma mãe professora. Do primeiro herdei a inquietude e me emociono com o apito de um trem e da segunda herdei a curiosidade das letras e uma sensibilidade que, ao mesmo tempo que me estorva a vida prática, me eleva ao infinito. Tenho uma afeição pelos livros fora do normal, mas gosto da vida útil, da conversa com uma pitada de malandragem sem cair para o grotesco e sem enveredar para o vulgar.
Essas duas facetas, no entanto, não me explicam por completo. Brotei em Wenceslau, adolesci em Santos e virei bicho na Amazônia, tendo filhos, escrevendo livros, lecionando e nadando em rios.
Não sou requintado porque sou muito afeito ao diálogo verdadeiro e carrego nas gírias que trouxe de Santos, e nos termos da mata que trouxe dos caboclos do Pará. Sinto-me genuinamente um brasileiro. Ah, esse nome alemão. Se a lei deixasse, na época que casei teria anexado ao meu nome o da minha esposa, filha de nordestinos. Soares. Soaria bem o meu nome. Só ares. Combinaria com minha vontade de estar em todos os lug ares. No lugar de salsicha, tapioca. No lugar de spreche Deutsch, oxente bichin.

TEM MAIS UM POUCO:

Mas minha sinceridade alemã tem me deixado em maus lençóis, vejam:

Quando digo que não compreendo um amigo que vai votar em um candidato que não merece o meu voto, isso não quer dizer que o amigo passa a ser meu inimigo, mas apenas que ele é um amigo que não compreendo.

Quando digo que as pessoas vivem escoradas em descrições superficiais do outro e de si mesmas (o tal do copiam-colam) isso não quer dizer que elas são falsas ou hipócritas, apenas não sabem se expressar com clareza, ou, na melhor das hipóteses, não são originais.

Quando digo que um irmão de fé me enganou ou foi espertinho em um negócio, não quero dizer que ele é um espertalhão, mas apenas não está maduro o suficiente para as coisas do alto.

Quando digo que um amigo usa minha capacidade profissional para catapultar sua opaca posição no mercado, isso não quer dizer que esse amigo seja um aproveitador, apenas um desesperado, um náufrago.

Quando digo que um colega evita tratar-me pelo nome ao cumprimentar-me isso não quer dizer que ele me inveja, apenas fingiu que esqueceu meu nome para minimizar a sua mediocridade.

Quando digo que um amigo poderia ser menos pedante e menos mestre em um encontro isso não quer dizer que quero que ele fique quieto.

Quando digo que não aceito o aborto, a eutanásia e a lei do gatilho é porque, por experiência própria, e não por descendência, já matei muita gente com palavras e atitudes e que isso não me levaram a nada. E aprendi: Não se combate o mal com o mal.

Quando digo que sou cristão convertido e que respeito os judeus, mas não os compreendo por eles não aceitarem a Cristo como o verdadeiro messias, isso não quer dizer que não gosto dos judeus. Apenas não os compreendo.

é isso. sou um alemãozinho batata, comia queijo com barata desde criancinha…

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1 COMENTÁRIO

  1. Excelente seu texto, Paulo. Parabéns pela graça, pela leveza e pela profundidade, pelos jogos de palavras, pela poética que o traduz bem para quem o conhece e o explica para quem não o conhece muito bem. Texto com sabor de quero mais, que faz a alma rir e desejar mais! Aplausos!!!!

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