A minha expulsão do colégio agrícola de Rio das Pedras não ocorreria e isso parecia um milagre. Iriam me transferir e já estavam com o documento pronto. Bastava eu ir lá pegar a transferência e decidir que rumo tomar. Era tudo o que os caracóis de meus cabelos – à época com 20 anos – queriam.

por Paulo Atzingen

Soube por terceiros que o conselho da escola fora informado que a morte de minha mãe ocorrera no mesmo mês que acontecia as provas finais. Faltei a todas e seria reprovado, mas estranhamente me davam uma espécie de prêmio de consolação por ter a mãe morta: aprovado.

É evidente que todas essas coisas gravitavam em meus miolos de uma forma mais amorosa à época em que mãezinha morrera com aquele câncer no pulmão. É lógico que como filho caçula e mimado tinha sentido aquele golpe brutal no estômago e havia respeitado o luto da família por pelo menos uma semana. Mas a morte de mamãe tinha sido tão lenta – que sua partida definitiva foi um alento para o coração de todos. Tinha-a com uma ternura danada que não sabia explicar quando estava em meio aos pés de milho com suas cabeleiras esvoaçantes…

Foi isso que eu pensava quando voltei a pé pra Rio das Pedras, no meio daquele canavial do interior. Que estranho. Meu ultimo ano naquele colégio tinha pintado todas as cores do arco-iris. Churrascadas clandestinas, uso indevido do trator e dos alojamentos da escola, visitas noturnas ao aviário e um coma não induzido que deixou a comunidade escolar em estado de choque. Jamais esqueceram de mim e eu deles.

Foi isso que pensava quando voltei a pé pra Rio das Pedras, no meio daquele canavial do interior. Foi aquele caminho – cerca de 4 quilómetros – o mesmo da prova de atletismo que comemorou o inicio do ano letivo. Participara com todos os meus poros, células, sangue e coração. Acostumado a provas de fundo e com aquelas explosões de estilingue próprias da juventude, muni-me de toda a certeza mental que ganharia os 4 mil metros, na subida e participaria da festa estudantil. Calculei mal, cheguei em terceiro lugar – pelo menos é isso que me contaram depois. Ao passar pela linha de chegada fiquei azul, verde e roxo e só acordei no hospital com oxigênio e eletrochoque.

Foi isso que pensava quando descia a pé a estrada em meio ao canavial chegando em Rio das Pedras. Com a transferência em mãos era só decidir pra onde iria. A direção do colégio agrícola optou por não me expulsar e isso parecia um milagre.

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1 COMENTÁRIO

  1. Adorei a crônica e isso ressuscitou!! em minhas memória algumas cenas vividas em épocas e contextos diferentes.
    Recordar é Viver Obrigado por essa viagem fantástica ao Passado.

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