Meu irmão

desceu em sua balsa de buriti
deixando prá trás
as cidades que ajudou
a construir
e a ter suas próprias
faces.

Meu irmão
desceu em sua balsa de buriti
e içou do fundo do lago
o futuro daquela cidade
que envelheceria
sem ter sido jovem.

Meu irmão
pesquisador
mestre
colocou no mapa
uma cidade
uma inscrição rupestre.

Meu irmão
desceu em sua balsa de buriti
e inaugurou casas
museus
abriu bibliotecas
escolas de música
ofereceu água
ainda moço
a uma roça
sem poço.

Meu irmão
desceu em sua balsa de buriti
e na confluência dos rios
adubou plantas
semeou quantas
orquídeas
possíveis
e imagináveis
fossem.

Decorou a estrada
com estrelícias
e colocou na porteira
helicônias
e samambaias
como um adorno dos açaizais
e recebeu amigos
muitos amigos
com suco de graviola
doce de pupunha
sob palmeiras reais.

Meu irmão
desceu em sua balsa de buriti
e organizou o alfabeto
dos falares simples
foi na raiz
da garganta
de um povo
e ofereceu significado
à vida
vestida de coisas e objetos
sem nome.

Meu irmão
vestiu-se como os do Tocantins
desbravou igapós
descobriu cavernas
cachoeiras
e falou como as pessoas
que não buscam meios
nem fins
apenas acreditam
no que é preciso ser feito.

Meu irmão
desceu em sua balsa de buriti
na busca de um veio sem ouro
na busca da borboleta azul
de asas perfeitas
de voo infinito.

E  nessa busca apaixonada do bem
desse dom arqueológico
essências tuas
meu irmão.
Na trilha de grotas de ferro
teus 70 anos te levam
à foz de qualquer rio
em tua balsa de buriti.

Mas mais que isso
te endereçam à fundura
das cavernas de basalto.

Porque sabemos, irmão,
mestre, desbravador, amigo
por teres ido tão  fundo

olhas agora

tudo do alto.

————————–

São Paulo, 30 de agosto de 2020

*Paulo Atzingen

Texto em homenagem aos 70 anos de Noé von Atzingen, Fundador da Casa da Cultura de Marabá.

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1 COMENTÁRIO

  1. Privilégio ter um amigo tão capaz escrevinhador, irmão dessa figura que tive a honra de conhecer ainda nos tempos de São Félix/Marabá, anos 1999/2000 (memória já “rateando” aqui). Vida longa aos amigos poetas-escrevinhadores, vida longa aos Noés👏🙏🙂

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