Praia Grande
Praia Grande: congestionamento de guarda-sóis, cadeiras, esteiras e lá estávamos nós atrás da barraca do amigo do pai de minha esposa

Fui para a Praia Grande, meio a contragosto. Ficava olhando os transatlânticos passarem pelo horizonte, e lembrava de meus cruzeiros pela costa brasileira, rememorava as belas praias do Nordeste, da Lua de Mel no México, das férias no Mediterrâneo. Mas eu estava em Praia Grande, ou para os mais sofisticados que me lêem: em Long Beach.

Para agradar a esposa acompanhava o sogro, pelo menos uma vez na vida, até a Riviera do litoral sul paulista. Ele não me disse, mas faria uma surpresa a um velho amigo, dono de uma barraca de praia.

A Praia Grande, como todos sabem, fica lotada em domingos de janeiro. Congestionamento de guarda-sóis, cadeiras, esteiras e lá estávamos nós atrás da barraca do amigo do pai de minha esposa. Passamos por restaurantes sofisticados, bares com garçons uniformizados, mas a barraca do amigo de meu sogro era bem modesta e estava lá no meio do mar de gente.

Encontrado.

Conseguimos um espaço na areia, passamos o protetor solar, fomos apresentados ao proprietário: senhor Zé Bananeiro. Zé para os amigos. Um senhor nos seus 60 anos, com uma aparência jovial no falar, no agir e principalmente, no receber. Fez uma festa muito espontânea e deixou-nos à vontade.

Em que pese as normas que aprendemos de gerência e administração, o seu Zé Bananeiro infringira todas elas. Meio proprietário, meio freguês, Zé sentou-se conosco, trocou lembranças com Hilton Soares, levantava, buscava uma cerveja, voltava, servia-nos e ia fritar camarão.

Uma amizade antiga e verdadeira entre os dois. E alegre. E debochada, mas aquele deboche respeitoso de pessoas que amadureceram nas dificuldades da vida e sabiam dosar o peso da ironia.

“E aquela de Salinas, você lembra Jabá?” (Jabá era o apelido do sogro) e um contava para o outro rememorando tempos antigos e… caíam na risada.

E tome tapa nas costas…uma forma rude que as amizades de antanho têm para demonstrar o grau de afeto e de intimidade.

Foi assim, um carrossel de frases desconexas, estórias truncadas e lembranças. .. Até a cereja do bolo:

– Este é meu irmão!- disse Zé Bananeiro ao Jabá abraçando-o meio sem jeito, meio de improviso.

O dia foi de uma claridade esplendorosa. Em meio aquele rebuliço de gente, crianças, milho cozido, caipirinhas, pipas, rabiolas, queijo na brasa e castelos de areia. Lembrei de Coríntios:

O dia foi de uma claridade esplendorosa. Em meio aquele rebuliço de gente, crianças, milho cozido, caipirinhas, pipas, rabiolas, queijo na brasa e castelos de areia. Lembrei de Coríntios:

“Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir os sábios; e escolheu as coisas fracas do mundo para confundir os fortes. E escolheu as coisas ignóbeis, e as desprezadas, e as que não são, para reduzir a nada as que são.

Vendo aqueles dois homens contemporâneos e irmãos nas dificuldades de retirantes do nordeste – que com o pouco que conseguiram na luta de décadas, vestiam-se de uma dignidade e de um respeito mútuo – percebi o quanto eu daria para ter uma amizade como aquela, construída sobre a dura pedra da vida.

Irmãos da labuta, das mãos operárias, que não escolheram o viés das lutas políticas e dos sindicatos. Irmãos sertanejos remanescentes que agora, crianças, diante do mar, se abraçavam, e riam…

Meus cruzeiros marítimos, minhas praias privadas, meus passeios na Europa, representados por um deus hedonista eregido sob o disfarce de uma felicidade infinita caíram de borco naquela praia de areia dura e ondas escuras.

Mas quanta limpeza e clareza eu vi ali. Dois velhos amigos, uma grande praia, centenas de guarda-sóis e as palavras de Corintios martelando a cabeça: “Escolhi as coisas loucas do mundo para confundir os sábios, e as fracas para confundir os fortes, e as desprezadas, e as que não são, para reduzir a nada as que são.”

Subi a serra levando comigo essa lembrança de uma praia grande, limpa e clara incorporada nesses dois grandes amigos do sertão.

(janeiro, 2011)

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