PAULO ATZINGEN

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Escrevo para os loucos, para os informais, para os deserdados e solitários, escrevo para os órfãos das letras. Para aqueles que estão com mil coisas na cabeça e gritam dentro de si: parem com esse silêncio! eu quero diálogo, franqueza, verdade!

Escrevo para os desistentes, para aqueles que não conseguiram ir em frente e buscam um minuto de coerência em meio à artilharia de posts. Escrevo para o meu ex-aluno filho de seringueiro que ia à escola só pela merenda.

Escrevo para minha filha que não vi crescer e para um filho que abandonei. Escrevo para Drummond para chegar perto de Minas e ver sua flor nascer do asfalto. Escrevo para um Reino onde a vocação é mais importante que salário.

Escrevo para um amigo que me esqueceu por minha ausência, mas antes, por sua consciência; escrevo para os que detestam a leitura e não conseguem terminar uma linha por falta de tempo. Escrevo para os que não têm tempo.

Escrevo para o sertanejo e para o paulistano que vivem solitários na caatinga de prédios sem sol. Escrevo para Vinicius que me deu a chave da poesia em uma época que tinha um coração amoroso, gentil, cheirando a coisas de mãe e uma mente repleta de dúvidas.

Escrevo para o viajante que se despediu com um até logo, mas sabia que era prá sempre. Escrevo para a ex-namorada que está casada no Facebook e demonstra uma felicidade que eu não daria a ela. Escrevo para o artesão da praça que desistiu de ser artista e só quer levar o pão para casa. Escrevo para o jovem músico que canta no metrô e arranca a angústia dos passageiros devolvendo a eles um brilho nos olhos .

Escrevo para o executivo que se tornou escravo de sua própria força e acredita ser o super-man.

Escrevo aos irmãos de sangue que conhecem nossa história sem maquiagens, as cidades que passamos, as casas que moramos, e têm ainda na memória a face do menino bronzeado de estrada.  Escrevo para meus irmãos de fé que me fazem olhar para o alto e para o outro.

Escrevo para os sírios, venezuelanos e africanos que fogem da guerra, da fome e da insensatez e vêem em nossa pátria uma mãe carinhosa. Escrevo para os voluntários que a troco de nada doam–se ao próximo entregando um fiapo de esperança. Escrevo para minha patrinha de chinelos e de edifícios envidraçados, praias ensolaradas e casas sobre palafitas.

Escrevo para aqueles que sabem pedir perdão sem considerações finais e que reconhecem o abismo e o veneno que há nas palavras quando elas não vêm do coração.

São Paulo, agosto de 2018.

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