O Rio Tocantins (Crédito da foto: Wagner Guimarães)

Bons anos da adolescência passei às margens dos rios amazônicos. Aos 17 conheci, de uma tacada só, o Araguaia, o Tocantins e o menor, o Itacaiúnas. Me catapultar para o norte do país foi uma decisão não planejada, pouco estudada e sei que os resultados que colhi não foram os esperados. Excederam.

Fui apresentado ao Tocantins na mesma época que uma pororoca de palavras me entrou pelos ouvidos: buriti, cajá, andiroba, murici, terecô, terçado, boroca, mucumbu, e tantas outras que me ajudaram a conhecer um Brasil mais rústico, mais original e nem um pouco sofisticado. Mas o que me tatuou o cérebro com tinta de urucum foi aquela vista do rio.

A primeira vez que vi esta veia barrenta lambendo os barrancos e invadindo as margens foi na rampa da balsa em Xambioá, antigo Goiás, na travessia ao Pará. Era janeiro de 79. Sua lentidão na passagem me indicava um ser natural preguiçoso, malandro, e que estava ali há séculos urinando seus líquidos e preparando em seus testículos o sêmen de folhas trituradas, raízes maceradas para ir fertilizando as aldeotas. O rio e sua gente me fascinavam já que as lavadeiras eram moçoilas solteiras e pelas levas do Pará – fiquei sabendo depois – menina nova só estava preparada pra casar se soubesse bater roupa na pedra. Pensava: esse rio obedece a força do grande ralo mundial que suga tudo para o ventre encalacrado do mar. Esse rio é o próprio sangue da terra e ele, como eu, chegamos a este grão Pará para fertilizá-lo, adubá-lo. Quanta pretensão misturada à ingenuidade eu tinha!. Enquanto em Carajás as multinacionais instalavam suas pinças cirúrgicas para levar as toneladas de bauxita para o exterior eu reparava nas alças das lavadeirinhas na rampa de Xambioá!. Olhava o rio e sabia que ele trazia em seu estômago correntes de águas violentas, escuras e sinistras com seus peixes sem escamas, suas arraias traiçoeiras seus seres microscópicos que matavam em silêncio.

Eu era assim também. Um garoto luminoso, bronzeado e com cabelos cacheados chegando ao Pará cheio de confiança e tudo arrastando com sua beleza e força juvenil. Só aparência. Eu era também estranho e trazia em meu âmago os enigmas das águas barrentas, a força destruidora de uma enchente sobre tudo aquilo que era fraco, que era bom e o que era belo. Eu era o próprio rio querendo inseminar garotas por onde passava, impor minhas ideias de adolescente precoce, espalhando versos e ternura pelas margens, tocando as primeiras notas em minha gaita de boca, mas também criando invejas, gerando dores e vontade de vingança.

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