por Paulo Atzingen (texto e fotos)
Abri o ano abriu–se o Rio
em janeiro na Serra dos Órgãos
Um colosso de pedra aponta
o alto
é granito é basalto
O entalhador de eras
esculpiu.
Sobre os rins da mãe tropical
bailam e cantam e voam
uma artéria que liga tudo
corações mentes anexados
Do apêndice da serra correm veias
lincados em cachoeira.
Lá embaixo abrem-se baía e nuvens
um colar de civilização decora
a marcha que o futuro espera
concreto aço e engenho
poesia dinheiro e notícias
sensualizam o busto abastado
da Cidade Maravilhosa.
Vejo o colosso de pedra
em trajetória mortal
descer pelos braços do vale
destruir roçados e casas
acabar com famílias inteiras
e fabricar o mal
sem precisar sequer
do homem
o aval
A fúria do alto vem de antanho
munida com raios em prata
Um sopro descabela florestas
corta o tempo em fatias
redondas e de grossa espessura
dá ao dia a noite
e ao valente
covardia.
Mas vejo também a bênção
que o raio de sol nos entrega
quando pousa seu feixe de ouro
sobre a cruz fincada à estrada
inverte nessa alquimia
a luz que o amor oferece
e dá aos que vêem o fim
a chave para o princípio.
Essa química milenar
desprende-se detrás de quasares
e ao piscar de olhos
bate na quina da lua
faz seu gol no planeta
abre as plantas em foto
e em síntese
clareia a sombra
libera a clausura
e de grão em grão
raio trovão e raio
eleva a grande escultura.
Esse Dedo de Deus
completa uma mão sem tamanho
brota do estômago à Terra
sobe pelo esôfago do cânion
e feito estalagmite
nasce na pele
Do Rio.
De todas as eras que foram
meus olhos são testemunha
pertenço aos tempos das pedras
ao berço dos minerais
E vejo na montanha que aponta
a unidade do Verbo
a teta
a mama
o úbere
o seio
do Universo.
(Teresópolis – Petrópolis – SP, 2 e 3 de janeiro de 2019)