As pedras que se mantém mutuamente em Tulum, que sustentam algas orquídeas, e parasitas do tempo absorvem também os flashes das máquinas fotográficas dos novos navegantes: homo turísticus e homo econômicus (Crédito: Paulo Atzingen arquivo )

Iolando Sarges, o Turista Encarnado, diante do mar peito de pavão escreve:

“Essa civilização Maia que se ergue sobre o azul turquesa do Caribe colocou seus blocos de pedra tão alto e tão bem para que, ao avistar o navegante europeu que se aproximava, pudesse se assemelhar aos corais-fortaleza e ser vista como uma continuidade das matizes desse azul inexplicável, desse verde incompreensível; cores que nos atiçam a desvendar o que é mais enigmático: o azul peito de pavão dessas águas caribenhas ou o sentimento de conquistado, perda e dano do coração de um Maia.

As pedras que se mantém mutuamente em Tulum, que sustentam algas orquídeas, e parasitas do tempo absorvem também os flashes das máquinas fotográficas dos novos navegantes: homo turísticus e homo econômicus que não respeitam o tratado de Kioto e muito menos desconhecem o significado da palavra Gaia. As pedras de Tulum são monumentos unitários colocadas uma-a-uma cimentadas com o sal e o vento do mar; formam um todo intrincado e enigmático, corredores e labirintos, salas subterrãneas e aquedutos em espiral, escadarias e altares que reverenciam não os que vieram do velho mundo com suas armas de fogo e varíola mortífera, mas os que eram antes desse mundo e que entendemos e salientamos ser apenas nosso. Mergulhar no universo de Tulum, a última civilização Maia absorvida pela vaga do velho mundo, é mais que entender um aquário de plantas e algas tropicais diáfanas ou identificar quasares de estrelas marinhas que se entregam de graça na areia branca da praia.

Mergulhar em Tulum é entrar na casa de pedra e ouvir o ecoar do silêncio entrecortado pelas ondas de ar, é ouvir os gritos dos rituais em sacrifício de uma civilização tão politeísta, quanto arquiteta, tão transcendental como navegante. Mergulhar no universo de Tulum é ajoelhar diante de um altar que tem como deuses principais o céu e o mar, mas é também se emudecer com a mediocridade do contemporâneo que resumiu séculos em uma palavra e sintetizou o eterno e o cósmico em uma fórmula one-way, que arquiteta projetos de domínio do mundo azul, como se ele fosse dominável.

A fortaleza natural de corais onde hoje adormecem centenas de caravelas com seus canhões e seus ódios em sal é a evidência de que o tuluniense tinha a favor de si a amizade a proteção dos deuses do mar; mar espátula que esculpe os contorno da costa caribenha, mar construtor que levanta os continentes e os furacões colossais; mar que engole a si mesmo e explode na costa seus novecentos mijl megatons contra os inimigos do velho mundo. Mar azul inexplicável, peito de pavão, adormecido sob as pedras altas de Tulum”.

Conto originalmente publicado no 3º livro do autor: “O Turista Encarnado” – pg. 43-44 – Editora Meca – SP – 2007

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