Busco o pirão de carne na casa de Ana Maria Soares. Faço minha caminhada receitada pelo cirurgião e entro no condomínio Balbo sem precisar dar meu nome. Sou de casa.
Passo pelos anõezinhos do jardim que estão aqui desde que o mundo é mundo. Penso em roubar uma rosa mas um morador me olha da janela.
Ana me aguarda na porta, como sempre, como uma guardiã leal, que viu os filhos seguirem seu caminho e que agora, no frijir dos seus 84 anos aguarda o genro, como uma extensão da família.
É óbvio que sou a caricatura de um filho legítimo, mas justamente por ser órfão de pai e mãe reconheço o amor em situações e lugares onde é preciso só olhar.
Olho o amor de Ana Maria Soares toda manhã quando forro a mesa do café com um pano de prato, que seria apenas um pano de prato se não tivesse em volta uma barra de croché feita por essas mesmas mãos que me abrem a porta. São flores, são corações, são peixes, são formatos em linhas brancas que me enlaçam ao seu encontro.
Quando vejo este croché toda manhã antes do café, me corre um filme pela cabeça, passa pelas veias e me chega ao coração. Potiguar de Brejinho, sertão do sertão do Rio Grande do Norte, Ana Maria chegou a São Paulo na década de 60 seguindo o fluxo de nordestinos em busca do futuro. Ana costurou pra fora. Fez uniformes de firma, de escolas, de times de futebol, riscou e desenhou figurinos que deram lucro a terceiros, remendou camisas, cerziu fundilhos. Como uma ave, Ana protegeu seus filhotes, vestindo-os no verão e no inverno com suas asas de linha de algodão.
Olho o amor de Ana Maria Soares nesse pirão de carne que levo para minha convalescença. O amor de Ana está no ralar os legumes, no cortar a carne, no preparar os temperos, no salgar, no cozinhar o alimento que será oferecido aos seus filhos e netos, não importa quais.
Volto para minha casa com um coração aquecido por um amor que só Ana Maria Soares pode me dar e só eu posso perceber agora. Um amor que ela mesma não sabe onde nasce ou para onde vai, porque lá atrás era mais importante e urgente amar, do que explicar ou entender.
Obrigado, Ana, por me abrigar sob suas asas de linha de algodão!
Paulo Atzingen, 10 de maio de 2025
