Minha irmã Mônica teve um AVC e morreu no hospital de Araguaína, no coração do Tocantins. Eu e sua filha, Gabriela, atravessamos todo aquele Cerrado mas não chegamos a tempo de vê-la com vida. O Noé, meu irmão, embora já soubesse, só me deu a má notícia na porta do hospital.
Tudo foi muito rápido e a morte da minha irmãzinha caçula pegou todos de surpresa. Ela era uma atleta, uma dançarina, uma fitness-woman…
Mônica, como eu, foi uma existencialista sem saber. Buscou sua liberdade e construiu sua própria história com a força, a garra, a criatividade e o improviso que só os existencialistas têm.
Seu enterro foi em Babaçulândia, a cidade à beira do Tocantins que tem a vista mais espetacular do sertão dos sertões, com a Chapada das Mesas formando um horizonte que conta a formação do mundo. Foi essa vista e esse rio que a trouxeram para cá.
O corpo da minha irmã foi velado em sua própria casa, um antigo restaurante convertido em morada. Ahh, como ela foi feliz aqui…e nós irmãos, achávamos que ela iria se dar bem dirigindo trator do agronegócio no Mato Grosso! Minha irmã nunca quis se dar bem, apenas quis ser feliz e viver o seu autêntico existencialismo.
A casa guarda as memórias de minha amada irmã. Encontro pincéis, potes de tinta, linhas, colagens, croché s, bordados e, na cozinha, vejo e ouço o que sempre vi e ouvi em todas as casas que ela morou: o mensageiro do vento.
Ele dança e oferece ao espaço sua delicada música, sua vibração positiva e sua harmonia. Era a cara da minha irmã existencialista.
O caixão de minha irmã foi visitado por uma onda de mulheres que vinham guiadas por um pacto não combinado, um código desconhecido pelas leis dos homens.
Se minha irmã fosse um jogador de futebol, talvez a casa estivesse tomada por homens. Mas Mônica foi outra coisa. Foi uma artista, uma artesã dos sentidos, uma espécie de guardiã da sensibilidade coletiva. E é por isso que nesse velório, foram as mulheres que formavam a maioria – mães, filhas, senhoras de idade, casadas, solteiras, viúvas, separadas, de meia idade, jovens com energia vibrante, todas tocadas de alguma forma por ela. Todas saídas de sua zona de conforto e confrontadas consigo mesmas…
Elas eram muitas e destaco aqui um grupo que tomou para si a missão de cuidar desse rito de passagem: a Mary, a Marcia, a Camila, a Elis, a Rosana, a Aline, a Carla, a Verciaria, a Gisele, a Sandra, a Isnayara, a Stefania, a Kelly, a Duda e tantas outras…
Elas organizaram a chegada do corpo, a arrumação da casa, o café oferecido aos visitantes, o trâmite burocrático e a transladação do corpo até o cemitério. Nada ficou por fazer.
Em poucos minutos, cerca de 25 mulheres levantaram um montante, movidas não por dever, mas por afeto. Reuniram o valor necessário para quitar as despesas e os gastos com tudo isso que estava acontecendo, como se quisessem garantir que a partida de minha irmãzinha fosse tão digna quanto sua vida.
Fomos acolhidos com uma gentileza que não se ensina, com um amor que se reconhece no olhar e na ação apenas e quase tão somente no Sertão. Aqui, onde as pessoas percebem a diferença entre viver e existir.
Aqui no cemitério sinto que minha irmãzinha está indo embora com a brisa de Babaçulândia. Lembro de seu mensageiro do vento em sua cozinha, símbolo dela.
Monica se tornou a Mensageira do Vento dessas mulheres aqui em Babaçulândia. É também a minha mensageira do vento. Que sua alma em movimento continue fluindo e que esse vento siga soprando, trazendo-me sempre a sua memória…
Paulo Atzingen, Babaçulândia (TO), 29 de junho de 2025.