Dois irmãos xifópagos

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No último ano conheci a Praia do Sancho, um acidente lindo do percurso, em Noronha.

Desci a escadinha para chegar até a praia e ninguém do grupo me acompanhou. As aventuras – e nem precisam ser suicidas – são quase sempre solitárias e pagamos o preço por elas. Atirei-me no mundo desde cedo, desci escadas, segui estradas, cruzei veredas, fiz voos solos. E estou aqui, pensando e sentindo. Inquieto,  nesta praia.

Da areia avistei o Morro dos Dois Irmãos e o ângulo, o sol e o vento me trouxeram a bruma da lembrança. Fenomenais nasceram, como xifópagos, e ali ficarão até o fim dos tempos.

Na bagunça daquele azul turquesa e peixes e algas e sal e sol, na alegria que o movimento dos ventos me trazia, vi que minha experiência  era única, intransferí­vel e que os prazeres e os resultados dessa experiência e de todas as outras da minha vida eram exclusivamente frutos de minha audácia e vontade.

Corri contra a onda e mergulhei. Vi um carnaval de peixes. Emergi com os olhos ardendo em sal. E nessa busca recriei um momento novo em folha e tive como recompensa um minuto próximo à  unidade própria de mim mesmo.

Meu irmão, mesmo gêmeo, jamais sorveria a mesma quantidade de sal que eu sorvi, nem olharia a quantidade de peixes que vi porque a quantidade de sal e o número de peixes serão sempre outros para ele.

A aparente solidez destas corcovas de montanhas acinzentadas que se erguem à minha frente virará poeira com o passar das eras e mudará de cor, sob as leis da química e a justiça da física. Minha passagem é agora um relâmpago neste arquipélago, mas quando esta lembrança vier-me à tona, no futuro, brilhará como a presença, lado a lado, de um irmão longínquo, xifópago, que nunca se ausentou.

Publicado originalmente em 13 de janeiro de 2017

Professor

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por Inácia Barbosa von Atzingen

Ser escolhido por Deus para essa missão

é ter humildade, sem eventos, sem glória e tradição.

Como poderosa âncora arrastada,

dentro de uma noite cega ou iluminada,

é ser arrebatado em ondas de harmonia

às celestiais regiões da paz e da alegria

É ter a ternura espalhada por arcanjos

e a alma revestida da placidez dos anjos.

 

Ser escolhido por Deus para essa missão

É ouvir o dedilhar de uma harpa que sorri,

ter a paciência de Jó, ter as glórias de Davi.

É praticar a doce caridade,

seguindo o roteiro infindo da bondade

É purificar o destino, sem mistérios e sem lenda,

dando o próprio ser em simbólica oferenda.

 

Ser escolhido por Deus para essa missão

É alcançar o cimo do Calvário,

com passo firme, rastro profundo e vário.

É semear o perdão suave como um hino,

Cantado docemente ao som de órgão divino.

É entregar solenemente para o resto da vida

um grande coração e a alma repartida.

 

Ser escolhido por Deus para essa missão

É enterrar bem fundo a semente plantada,

que surgirá um dia, qual árvore copada.

É desfraldar a bandeira da paz,

E percorrer um caminho sem voltar atrás.

 

Ser escolhido por Deus para essa missão

é ser eleito para uma causa santa,

é estimular o saber ao lado da esperança,

descortinando todo o encanto das flores,

na sincronização artí­stica das cores,

cuja essência sutil é uma luz tão ardente,

que ilumina os tristes e regala os crentes.

 

Ser escolhido por Deus para essa missão

é traçar destinos de bondade e de amor,

e levar aos quatro cantos do Universo,

na melodia lindí­ssima de um verso,

um nome apenas……………………professor.

 

(Pirassununga, SP – 1968)

Publicado originalmente dia  15 de out de 2018

Litoral literal

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Ouro de adolescente: Volto e te vejo mais clara ainda - sua paisagem me projeta para frente - antevejo uma alegria de futuro - e realço minha jóia de ser gente

Estrada de mochileiros na costa verde
Viagens jovens na memória

Como é bom poder rever-te
Como franja de um tempo tecido
Uma reentrância da história

Camburi, Boiçucanga, Toque Toque, Paraty

Uma estrada de certezas imaturas
Mas com um sol forte e um vento rápido
Vazando do peito de garoto
Escapando pela serra abaixo
Um olho dágua no veio
Um colar de praias no meio

um feixe de luz atravessando tudo
Verde musgo terra de caiçaras
Casas que se pára para o aguardente
Ruas de pedras de cantaria

ouro de adolescente

Volto e te vejo mais clara ainda
sua paisagem me projeta para frente
antevejo uma alegria de futuro

e realço minha jóia de ser gente.

(Praia de Boiçucanga (em algum dezembro do passado))

Originalmente escrito e publicado no verão de 2016

O encontro no lago refletido

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Texto e fotos: Paulo Atzingen

No meio da trilha, sendero nessas latitudes, há um pequeno acesso que dá para o lago. Caminho entre espécies de flora nativa (lenga, ñirre, canela andina) que servem de hospedagem para cogumelos brancos comestí­veis e musgos verdes que mais parecem uma decoração luxuosa dos caules. Garanto que não comi nenhum cogumelo.

As batidas de meu coração aceleram e o ar puro que me enche os pulmões sai pela boca em golfos tornando-me uma locomotiva soltando vapor em meio ao vale andino. Toda vida fugi dos aglomerados, dos furdunços, dos tumultos, na tentativa de encontrar o enigmático, o insondável, o divino, pois é lá, no silêncio e no isolamento que eles se apresentam. Vejam este lago: ele é o resultado de algumas centenas de anos e desde sua matéria orgânica que sustenta as árvores, a luz oblí­qua que produz a fotossí­ntese até a interferência  estúpida do homem fazendo trilhas, rachando lenhas e produzindo fogo à  sua margem, tudo isso está dentro de um equilí­brio, de uma razoabilidade próximos do enigma, da utopia e do divino.

Caminho uns dois quilômetros subindo e descendo por uma trilha tortuosa até ver esse atalho que me leva ao lago. Sobre o pequeno deck avisto um homem de chapéu que aparentemente  faz o que todos fazem por aqui, olham abismados para o enigmático espelho do lago. Estranhamente ele percebe minha chegada e diz:

– “Que lugar fabuloso para o encontro …”

Assusta-me a intimidade e o uso das palavras “fabuloso, o encontro”. Soou-me ao mesmo tempo original, provocativo, mas invasivo. O lugar não era fabuloso, mas mais que isso, era maravilhoso. Agora os termos “o encontro”, ameaçava tirar-me a tranquilidade. Talvez não ouvira direito…mantive minha excepcional capacidade em ser gentil e respondi à altura:

– Um lugar maravilhoso, mais que fabuloso…

Ele continuou sentado olhando para o lago sem encarar-me, como se me conhecesse:

– Veja como é refinado o acabamento que a natureza deu a si mesma e consegue se renovar dia após dia…

Fiquei ao seu lado, de pé, e radiografei o homem. Vestia-se como um morador local, roupas de quem tange boiadas, grossas botinas e um chapéu com abas largas, tudo em couro. De perfil identifiquei um nariz pontiagudo e um queixo saliente com uma barbicha amarela na ponta, um tipo que me lembrava, ao longe, Dom Quixote, de Cervantes.

Me incomodou aquela frase “deu a si mesma” e, com minha adrenalina à flor da pele, já que completara à  pouco dois quilômetros em passo acelerado, emendei:

“Nada é feito ou produzido pela natureza se não for autorizado antes pelo Designer universal, em um processo quântico e divino que não tenho como explicar em palavras”, disse-lhe em tom amigável e quase profético, mas estranhei que aquilo saí­ra de minha boca…

Sem me encarar, ele responde, de pronto:

“Não creio em todo esse poder. Como o próprio homem tem o seu livre arbí­trio, a natureza também tem o seu modo de decidir as coisas. A ciência da natureza é exata e ela se incumbe do seu próprio bem e de seu próprio mal…”. Disse-me em um tom sinistro, meio metálico, que transformou o diálogo em um embate. Respondi:

“Não questiono o livre arbí­trio do homem, já que ele que decide seu caminho por meio de suas escolhas, razão e consciência…

Ele me interrompeu:

– Consciência? E riu um riso frenético, tenebroso, arrepiante.

“O homem se engana e vive dentro de sua credulidade, individualidade e egoí­smo, somos a cópia perfeita da natureza que se auto destrói, se auto corrompe e se auto mutila…”, ajuntou.

Dei dois passos me afastando dele e aumentei a voz: “Essa natureza aqui em seu estado intacto é obra de uma força fantástica a que denominamos Deus em sua plena bondade e amor… E refletimos isso em nossa vida, em nossa sociedade com os irmãos, amigos, nos hospitais, nas escolas, nos asilos, somos o reflexo…

Ele não deixou terminar…

“Reflexo do Criador?… gargalhou novamente… tossiu e cuspiu no lago. Se levantou.

Era um cara alto, magro, de quase dois metros. Uma nuvem cobriu o sol e toda a luminosidade do dia, o brilho sobre as árvores e seus reflexos sobre o lago empalideceram. Tudo ficou obscuro, como um eclipse…

Pela primeira vez deu para encará-lo. Tinha uma fronte sombria, um olhar turvo escondido sob grandes sobrancelhas amareladas, o chapéu e uma boca apavorante, lábios leporinos… dava para ver parte de seus dentes…

Acendeu um charuto que trazia no bolso do colete, jogou o fósforo no lago, deu meia volta e saiu andando sem dizer ao menos até logo. Senti meu corpo congelar e acompanhei o homem desaparecer na trilha.

Toda vida fugi dos aglomerados, dos furdunços, dos tumultos, na tentativa de encontrar o enigmático, o utópico, o divino. Volto-me para o lago, respiro fundo  e aos poucos a nuvem sobrevoa a parte sul da grande água fugindo em direção à cordilheira. O lago volta a ficar resplandecente e essa beleza retoma o seu lugar dentro e fora de mim.

 

Santiago do Chile, setembro de 2018

Publicado originalmente em 6 de set de 2018

Três fronteiras

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Na terceira fronteira descobri um veio douro, uma nascente de águas puras e intocadas (arquivo pessoal)

São três fronteiras que atravessei na última viagem,
a do bem, a do mal e a da minha realidade.

Na primeira vi que há povos ancestrais que guardam no âmago do ser, a coragem.

Na segunda olhei para meu próprio umbigo e vi que minha fome de querer tudo me arrastava para o precipício da escolha,
tornando-me cego, surdo e mudo, de querer sempre ter, sem ter sido.

Na terceira fronteira descobri um veio douro, uma nascente de águas puras e intocadas.

Voltei ao princípio de tudo, ao nascedouro, no tempo em que o desejo nem havia nascido.

São Paulo, inverno de 2025.

Mônica, a Mensageira do Vento 

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A casa guarda as memórias de minha amada irmã.  Encontro pincéis,  potes de tinta, linhas, colagens, croché s, bordados e, na cozinha, vejo e ouço o que sempre vi e ouvi em todas as casas que ela morou: o mensageiro do vento

Minha irmã Mônica teve um AVC e morreu no hospital de Araguaína, no coração do Tocantins. Eu e sua filha, Gabriela, atravessamos todo aquele Cerrado mas não chegamos a tempo de vê-la com vida. O Noé, meu irmão, embora já soubesse, só me deu a má notícia na porta do hospital.

Tudo foi muito rápido e a morte da minha irmãzinha caçula pegou todos de surpresa. Ela era uma atleta, uma dançarina, uma fitness-woman

Mônica,  como eu,  foi uma existencialista sem saber. Buscou sua liberdade e construiu sua própria história com a força, a garra, a criatividade e o improviso que só os existencialistas têm.

Seu enterro foi em Babaçulândia, a cidade à beira do Tocantins que tem a vista mais espetacular do sertão dos sertões,  com a Chapada das Mesas formando um horizonte que conta a formação do mundo. Foi essa vista e esse rio que a trouxeram para cá.

O corpo da minha irmã foi velado em sua própria casa, um antigo restaurante convertido em morada. Ahh, como ela foi feliz aqui…e nós irmãos, achávamos que ela iria se dar bem dirigindo trator do agronegócio no Mato Grosso! Minha irmã nunca quis se dar bem, apenas quis ser feliz e viver o seu autêntico existencialismo.

A casa guarda as memórias de minha amada irmã.  Encontro pincéis,  potes de tinta, linhas, colagens, croché s, bordados e, na cozinha, vejo e ouço o que sempre vi e ouvi em todas as casas que ela morou: o mensageiro do vento.

Esse mensageiro do vento dança e oferece ao espaço sua delicada música, sua vibração positiva e sua harmonia. Era a cara da minha irmã existencialista.

O caixão de minha irmã foi visitado por uma onda de mulheres que vinham guiadas por um pacto não combinado, um código desconhecido pelas leis dos homens.

Se minha irmã fosse um jogador de futebol, talvez a casa estivesse tomada por homens. Mas Mônica foi outra coisa. Foi uma artista, uma artesã dos sentidos, uma espécie de guardiã da sensibilidade coletiva. E é por isso que nesse velório, foram as mulheres que formavam a maioria  – mães, filhas, senhoras de idade, casadas, solteiras, viúvas, separadas, de meia idade,  jovens com energia vibrante, todas tocadas de alguma forma por ela. Todas saídas de sua zona de conforto e confrontadas consigo mesmas homenagearam minha irmã…

Elas eram muitas, (50, 60, 70?) e destaco aqui um grupo que tomou para si a missão de cuidar desse rito de passagem: a Mary, a Marcia, a Camila, a Elis, a Rosana, a Aline, a Carla, a Verciaria, a Gisele, a Sandra, a Isnayara, a Stefania, a Kelly, a Duda  e tantas outras…

Elas organizaram a chegada do corpo, a arrumação da casa, o café oferecido aos visitantes, o trâmite burocrático e a transladação do corpo até o cemitério. Nada ficou por fazer.
Em poucos minutos, cerca de 25 mulheres levantaram um montante, movidas não por dever, mas por afeto. Reuniram o valor necessário para quitar as despesas e os gastos com tudo isso que estava acontecendo, como se quisessem garantir que a partida de minha irmãzinha fosse tão digna quanto sua vida.

Fomos acolhidos com uma gentileza que não se ensina, com um amor que se reconhece no olhar e na ação apenas e quase tão somente no Sertão. Aqui, onde as pessoas percebem a diferença entre viver e existir.

Aqui no cemitério sinto que minha irmãzinha está indo embora com a brisa de Babaçulândia. Lembro de seu mensageiro do vento em sua cozinha, símbolo dela.

Monica tornou-se a  Mensageira do Vento dessas mulheres aqui em Babaçulândia. É também a minha mensageira do vento. Que sua alma em movimento continue fluindo e que esse vento siga soprando, trazendo-me, até quando eu viver, as suas mensagens de amor, solidariedade e generosidade…

 

Paulo Atzingen,  Babaçulândia (TO),  29 de junho de 2025.

Existencialismo: Características e Conceitos:
Liberdade e Responsabilidade:
O existencialismo postula que o ser humano é livre para fazer escolhas e, consequentemente, é responsável por suas ações e pelas consequências delas.
Significado e Propósito:
A busca por significado na vida é um tema central. Os existencialistas argumentam que não há um propósito predefinido para a existência humana, e que cada indivíduo deve criar seu próprio sentido.
Angústia e Incerteza:
A liberdade e a responsabilidade podem gerar angústia e incerteza, pois o indivíduo se confronta com a ausência de respostas prontas para as grandes questões da vida.
Autenticidade:
O existencialismo encoraja a busca por uma vida autêntica, onde o indivíduo age de acordo com seus próprios valores e crenças, em vez de seguir padrões sociais ou expectativas alheias.  (Wikipédia)

Alma furtada

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Sinto que não faço absolutamente nada
quando não quebro pedra,
ou lambreto minha máquina no asfalto.

Pensar, ler e escrever
são lapsos que meu corpo engendra,

me auto-sabotam e me tomam de assalto.

Cada marretada que dou na matéria,
no poema ou na construção de algo,
com sensibilidade ou ritmo,
cria rasgos, fissuras da força empregada,

sou peão de obra, do andaime alto
voo para o salto.

Pensar em tempos de algoritmo
é o mesmo que cair em emboscada.

Então vou quebrar pedra.

Cada verso ou reportagem que crio,
sinto o cadafalso sob meus pés,
uma guilhotina, um pelotão de fuzilamento

pronta a despencar, pronto a atirar,
mas por obra do acaso ou do destino
erram o alvo e me salvo
por um fio…

Quando penso, quando leio, quando escrevo,
não ouço, não dou a mão, nem salvo ninguém do inferno,
da tristeza ou da dor.
Muito menos aumento as chances de ser amigo de meu traidor.

Então vou quebrar pedra.

Quando a obra se der por acabada,
seja em estilo sóbrio ou elegante
inspirada na escola romântica ou realista
sei que dei ao mundo o impensado
arrancando lá do fundo o que mais amo.

Quando a obra se der por acabada
meus poemas serão tag-ados
e rastreados por sua palavra-chave
identificados por back-links relevantes
e interpretados por apressados, superficiais e ignorantes.

Minhas crônicas otimizadas para o Google analytics
trarão informações de logística

e veneno em spray
para minha alma de poeta
e meu sangue de artista.

Paulo Atzingen, 17/5/2025

Ana Maria Soares

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Ana Maria Soares
Ana Maria Soares (Facebook)
Busco o pirão de carne na casa de Ana Maria Soares. Faço minha caminhada receitada pelo cirurgião e entro no condomínio Balbo sem precisar dar meu nome. Sou de casa.

Passo pelos anõezinhos do jardim que estão aqui desde que o mundo é mundo. Penso em roubar uma rosa mas um morador me olha da janela.

Ana me aguarda na porta, como sempre, como uma guardiã leal, que viu os filhos seguirem seu caminho e que agora, no frijir dos seus 84 anos aguarda o genro, como uma extensão da família.

É óbvio que sou a caricatura de um filho legítimo, mas justamente por ser órfão de pai e mãe reconheço o amor em situações e lugares onde é preciso só olhar.

Olho o amor de Ana Maria Soares toda manhã quando forro a mesa do café com um pano de prato, que seria apenas um pano de prato se não tivesse em volta uma barra de croché feita por essas mesmas mãos que me abrem a porta. São flores, são corações, são peixes, são formatos em linhas brancas que me enlaçam ao seu encontro.

Quando vejo este croché toda manhã antes do café, me corre um filme pela cabeça, passa pelas veias e me chega ao coração. Potiguar de Brejinho, sertão do sertão do Rio Grande do Norte, Ana Maria chegou a São Paulo na década de 60 seguindo o fluxo de nordestinos em busca do futuro. Ana costurou pra fora. Fez uniformes de firma, de escolas, de times de futebol, riscou e desenhou figurinos que deram lucro a terceiros, remendou camisas, cerziu fundilhos. Como uma ave, Ana protegeu seus filhotes, vestindo-os no verão e no inverno com suas asas de linha de algodão.

Olho o amor de Ana Maria Soares nesse pirão de carne que levo para minha convalescença. O amor de Ana está no ralar os legumes, no cortar a carne, no preparar os temperos, no salgar, no cozinhar o alimento que será oferecido aos seus filhos e netos, não importa quais.

Volto para minha casa com um coração aquecido por um amor que só Ana Maria Soares pode me dar e só eu posso perceber agora. Um amor que ela mesma não sabe onde nasce ou para onde vai, porque lá atrás era mais importante e urgente amar, do que explicar ou entender.

Obrigado, Ana, por me abrigar sob suas asas de linha de algodão!

Paulo Atzingen, 10 de maio de 2025

Olho o amor de Ana Maria Soares toda manhã quando forro a mesa do café com um pano de prato

Uma constelação

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Para a amiga Rose Almeida*

Essa estrela cadente
que despenca no céu
é a inquieta alma do Cosmo
que expressa seu canto
refaz a trajetória
nesse pano de fundo do passado
e nos cobre com seu negro manto.

Esse mapa cósmico
que Rose Almeida me traz
busca meu endereço de criança

naquela rua de paralelepípedos
onde aprendi a andar
naquela calçada de pedrinhas
em que me fiz garoto.

Naquela casa pintada de amarelo
onde mamãe, papai e os irmãos
formavam comigo a família
aprendi o que era o amor
o bem, o mal, a dor e o belo.

Esses pequenos bonecos
que a Rose traz
simbolizam o que serei
e o que será
mas também o que ficou pra trás.

São bonequinhos brancos e negros
homens e mulheres, adultos e meninos
que se expressam a partir
da escolha que faço
e da posição que os coloco
na tábua redonda
estabelecendo ali um elo, um laço.

Pergunta-me Rose, o que o coração diz?…
Vejo papai de frente pra mamãe
naquela parte da história
quando se uniram em casamento.
Respondo-lhe sem dúvida: “foram felizes, sou feliz!”

Mesmo depois de tanto tempo. 

Na mesa multicolorida
da constelação familiar
saltam-me aos olhos enigmas:
uma ponte, um céu e um muro.
Vejo-me abraçado e amado
por irmãos, pais e ancestrais
mesmo tendo sido imperfeito
inconstante e impuro.

São Paulo, 27 de abril de 2025.

*Rose Consteladora

Messias Jesus cantou pra Deus

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Messias
O louvor de Messias, a afinação de Messias, a gratidão de Messias, estão em sintonia com o que há de mais belo e puro no Reino de Deus, aqui na Terra (Reproduçao de vídeo)

Messias Jesus cantou pra Deus, agradecido, na última sexta-feira (25/4) em nossa Missão de Rua. Primeiro, após o banho, quando me entregou a toalha usada, depois no Salão, quando seu louvor ecoou pelos cantos e no coração de todos.

“Posso retribuir com um presente pra vocês?”, perguntou. “Sim, claro”, respondi, imaginando o que um irmãozinho morador de rua poderia nos oferecer. Então ele cantou.

E cantou um louvor buscado no fundo de sua memória. E enquanto cantava nos oferecia toda sua alma, toda sua riqueza, toda sua história.

“Bendito é viver em Seu nome, Senhor, em Seu nome… Senhor “…

OUÇA:

O canto do Messias, o sorriso do Roberto, a força da Helen e de tantos outros irmãozinhos e irmãzinhas são respostas ao Projeto Missão de Rua, da nossa IPI, do Ipiranga.

O louvor de Messias Jesus, a afinação de Messias, a gratidão de Messias, estão em sintonia com o que há de mais belo e puro no Reino de Deus, aqui na Terra. Seu louvor mostra que ele tem um coração grato, seja pela retribuição de um gesto, uma palavra, uma mão estendida.

Seus dois cantos, o primeiro após o banho e o segundo antes da refeição, são expressões claras, concretas de que o projeto Missão de Rua é um grão de areia de esperança e amor nesse grande deserto de solidão e abandono que são as ruas de São Paulo.

Messias trouxe ao nosso projeto um alimento diferente em forma de canto. Trouxe-nos o pão espiritual, sovado, amassado, cortado, assado e tomado forma lá fora.

Obrigado, Messias Jesus, você cantou pra Deus.

(por Paulo Atzingen)


Participe do Projeto:

O Projeto Missão de Rua acontece na Igreja Presbiteriana Independente do Ipiranga (Rua Agostinho Gomes 2235, São Paulo, SP, 04206-001 ·
(11) 2273-0146), na segunda e última sexta-feira de cada mês.

Próximas Missões:

Maio – 16 e 30; Junho – 13 e 27; Julho – 11 e 25; Agosto – 15 e 29; Setembro – 12 e 26; Outubro – 10 e 24; Novembro – 07 e 28; Dezembro – 12

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Um pastorzinho da Terra do Sol

 

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