Litoral literal

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Ouro de adolescente: Volto e te vejo mais clara ainda - sua paisagem me projeta para frente - antevejo uma alegria de futuro - e realço minha jóia de ser gente

Estrada de mochileiros na costa verde
Viagens jovens na memória

Como é bom poder rever-te
Como franja de um tempo tecido
Uma reentrância da história

Camburi, Boiçucanga, Toque Toque, Paraty

Uma estrada de certezas imaturas
Mas com um sol forte e um vento rápido
Vazando do peito de garoto
Escapando pela serra abaixo
Um olho dágua no veio
Um colar de praias no meio

um feixe de luz atravessando tudo
Verde musgo terra de caiçaras
Casas que se pára para o aguardente
Ruas de pedras de cantaria

ouro de adolescente

Volto e te vejo mais clara ainda
sua paisagem me projeta para frente
antevejo uma alegria de futuro

e realço minha jóia de ser gente.

(Praia de Boiçucanga (em algum dezembro do passado))

Originalmente escrito e publicado no verão de 2016

O encontro no lago refletido

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Texto e fotos: Paulo Atzingen

No meio da trilha, sendero nessas latitudes, há um pequeno acesso que dá para o lago. Caminho entre espécies de flora nativa (lenga, ñirre, canela andina) que servem de hospedagem para cogumelos brancos comestí­veis e musgos verdes que mais parecem uma decoração luxuosa dos caules. Garanto que não comi nenhum cogumelo.

As batidas de meu coração aceleram e o ar puro que me enche os pulmões sai pela boca em golfos tornando-me uma locomotiva soltando vapor em meio ao vale andino. Toda vida fugi dos aglomerados, dos furdunços, dos tumultos, na tentativa de encontrar o enigmático, o insondável, o divino, pois é lá, no silêncio e no isolamento que eles se apresentam. Vejam este lago: ele é o resultado de algumas centenas de anos e desde sua matéria orgânica que sustenta as árvores, a luz oblí­qua que produz a fotossí­ntese até a interferência  estúpida do homem fazendo trilhas, rachando lenhas e produzindo fogo à  sua margem, tudo isso está dentro de um equilí­brio, de uma razoabilidade próximos do enigma, da utopia e do divino.

Caminho uns dois quilômetros subindo e descendo por uma trilha tortuosa até ver esse atalho que me leva ao lago. Sobre o pequeno deck avisto um homem de chapéu que aparentemente  faz o que todos fazem por aqui, olham abismados para o enigmático espelho do lago. Estranhamente ele percebe minha chegada e diz:

– “Que lugar fabuloso para o encontro …”

Assusta-me a intimidade e o uso das palavras “fabuloso, o encontro”. Soou-me ao mesmo tempo original, provocativo, mas invasivo. O lugar não era fabuloso, mas mais que isso, era maravilhoso. Agora os termos “o encontro”, ameaçava tirar-me a tranquilidade. Talvez não ouvira direito…mantive minha excepcional capacidade em ser gentil e respondi à altura:

– Um lugar maravilhoso, mais que fabuloso…

Ele continuou sentado olhando para o lago sem encarar-me, como se me conhecesse:

– Veja como é refinado o acabamento que a natureza deu a si mesma e consegue se renovar dia após dia…

Fiquei ao seu lado, de pé, e radiografei o homem. Vestia-se como um morador local, roupas de quem tange boiadas, grossas botinas e um chapéu com abas largas, tudo em couro. De perfil identifiquei um nariz pontiagudo e um queixo saliente com uma barbicha amarela na ponta, um tipo que me lembrava, ao longe, Dom Quixote, de Cervantes.

Me incomodou aquela frase “deu a si mesma” e, com minha adrenalina à flor da pele, já que completara à  pouco dois quilômetros em passo acelerado, emendei:

“Nada é feito ou produzido pela natureza se não for autorizado antes pelo Designer universal, em um processo quântico e divino que não tenho como explicar em palavras”, disse-lhe em tom amigável e quase profético, mas estranhei que aquilo saí­ra de minha boca…

Sem me encarar, ele responde, de pronto:

“Não creio em todo esse poder. Como o próprio homem tem o seu livre arbí­trio, a natureza também tem o seu modo de decidir as coisas. A ciência da natureza é exata e ela se incumbe do seu próprio bem e de seu próprio mal…”. Disse-me em um tom sinistro, meio metálico, que transformou o diálogo em um embate. Respondi:

“Não questiono o livre arbí­trio do homem, já que ele que decide seu caminho por meio de suas escolhas, razão e consciência…

Ele me interrompeu:

– Consciência? E riu um riso frenético, tenebroso, arrepiante.

“O homem se engana e vive dentro de sua credulidade, individualidade e egoí­smo, somos a cópia perfeita da natureza que se auto destrói, se auto corrompe e se auto mutila…”, ajuntou.

Dei dois passos me afastando dele e aumentei a voz: “Essa natureza aqui em seu estado intacto é obra de uma força fantástica a que denominamos Deus em sua plena bondade e amor… E refletimos isso em nossa vida, em nossa sociedade com os irmãos, amigos, nos hospitais, nas escolas, nos asilos, somos o reflexo…

Ele não deixou terminar…

“Reflexo do Criador?… gargalhou novamente… tossiu e cuspiu no lago. Se levantou.

Era um cara alto, magro, de quase dois metros. Uma nuvem cobriu o sol e toda a luminosidade do dia, o brilho sobre as árvores e seus reflexos sobre o lago empalideceram. Tudo ficou obscuro, como um eclipse…

Pela primeira vez deu para encará-lo. Tinha uma fronte sombria, um olhar turvo escondido sob grandes sobrancelhas amareladas, o chapéu e uma boca apavorante, lábios leporinos… dava para ver parte de seus dentes…

Acendeu um charuto que trazia no bolso do colete, jogou o fósforo no lago, deu meia volta e saiu andando sem dizer ao menos até logo. Senti meu corpo congelar e acompanhei o homem desaparecer na trilha.

Toda vida fugi dos aglomerados, dos furdunços, dos tumultos, na tentativa de encontrar o enigmático, o utópico, o divino. Volto-me para o lago, respiro fundo  e aos poucos a nuvem sobrevoa a parte sul da grande água fugindo em direção à cordilheira. O lago volta a ficar resplandecente e essa beleza retoma o seu lugar dentro e fora de mim.

 

Santiago do Chile, setembro de 2018

Publicado originalmente em 6 de set de 2018

Três fronteiras

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Na terceira fronteira descobri um veio douro, uma nascente de águas puras e intocadas (arquivo pessoal)

São três fronteiras que atravessei na última viagem,
a do bem, a do mal e a da minha realidade.

Na primeira vi que há povos ancestrais que guardam no âmago do ser, a coragem.

Na segunda olhei para meu próprio umbigo e vi que minha fome de querer tudo me arrastava para o precipício da escolha,
tornando-me cego, surdo e mudo, de querer sempre ter, sem ter sido.

Na terceira fronteira descobri um veio douro, uma nascente de águas puras e intocadas.

Voltei ao princípio de tudo, ao nascedouro, no tempo em que o desejo nem havia nascido.

São Paulo, inverno de 2025.

Mônica, a Mensageira do Vento 

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A casa guarda as memórias de minha amada irmã.  Encontro pincéis,  potes de tinta, linhas, colagens, croché s, bordados e, na cozinha, vejo e ouço o que sempre vi e ouvi em todas as casas que ela morou: o mensageiro do vento

Minha irmã Mônica teve um AVC e morreu no hospital de Araguaína, no coração do Tocantins. Eu e sua filha, Gabriela, atravessamos todo aquele Cerrado mas não chegamos a tempo de vê-la com vida. O Noé, meu irmão, embora já soubesse, só me deu a má notícia na porta do hospital.

Tudo foi muito rápido e a morte da minha irmãzinha caçula pegou todos de surpresa. Ela era uma atleta, uma dançarina, uma fitness-woman

Mônica,  como eu,  foi uma existencialista sem saber. Buscou sua liberdade e construiu sua própria história com a força, a garra, a criatividade e o improviso que só os existencialistas têm.

Seu enterro foi em Babaçulândia, a cidade à beira do Tocantins que tem a vista mais espetacular do sertão dos sertões,  com a Chapada das Mesas formando um horizonte que conta a formação do mundo. Foi essa vista e esse rio que a trouxeram para cá.

O corpo da minha irmã foi velado em sua própria casa, um antigo restaurante convertido em morada. Ahh, como ela foi feliz aqui…e nós irmãos, achávamos que ela iria se dar bem dirigindo trator do agronegócio no Mato Grosso! Minha irmã nunca quis se dar bem, apenas quis ser feliz e viver o seu autêntico existencialismo.

A casa guarda as memórias de minha amada irmã.  Encontro pincéis,  potes de tinta, linhas, colagens, croché s, bordados e, na cozinha, vejo e ouço o que sempre vi e ouvi em todas as casas que ela morou: o mensageiro do vento.

Esse mensageiro do vento dança e oferece ao espaço sua delicada música, sua vibração positiva e sua harmonia. Era a cara da minha irmã existencialista.

O caixão de minha irmã foi visitado por uma onda de mulheres que vinham guiadas por um pacto não combinado, um código desconhecido pelas leis dos homens.

Se minha irmã fosse um jogador de futebol, talvez a casa estivesse tomada por homens. Mas Mônica foi outra coisa. Foi uma artista, uma artesã dos sentidos, uma espécie de guardiã da sensibilidade coletiva. E é por isso que nesse velório, foram as mulheres que formavam a maioria  – mães, filhas, senhoras de idade, casadas, solteiras, viúvas, separadas, de meia idade,  jovens com energia vibrante, todas tocadas de alguma forma por ela. Todas saídas de sua zona de conforto e confrontadas consigo mesmas homenagearam minha irmã…

Elas eram muitas, (50, 60, 70?) e destaco aqui um grupo que tomou para si a missão de cuidar desse rito de passagem: a Mary, a Marcia, a Camila, a Elis, a Rosana, a Aline, a Carla, a Verciaria, a Gisele, a Sandra, a Isnayara, a Stefania, a Kelly, a Duda  e tantas outras…

Elas organizaram a chegada do corpo, a arrumação da casa, o café oferecido aos visitantes, o trâmite burocrático e a transladação do corpo até o cemitério. Nada ficou por fazer.
Em poucos minutos, cerca de 25 mulheres levantaram um montante, movidas não por dever, mas por afeto. Reuniram o valor necessário para quitar as despesas e os gastos com tudo isso que estava acontecendo, como se quisessem garantir que a partida de minha irmãzinha fosse tão digna quanto sua vida.

Fomos acolhidos com uma gentileza que não se ensina, com um amor que se reconhece no olhar e na ação apenas e quase tão somente no Sertão. Aqui, onde as pessoas percebem a diferença entre viver e existir.

Aqui no cemitério sinto que minha irmãzinha está indo embora com a brisa de Babaçulândia. Lembro de seu mensageiro do vento em sua cozinha, símbolo dela.

Monica tornou-se a  Mensageira do Vento dessas mulheres aqui em Babaçulândia. É também a minha mensageira do vento. Que sua alma em movimento continue fluindo e que esse vento siga soprando, trazendo-me, até quando eu viver, as suas mensagens de amor, solidariedade e generosidade…

 

Paulo Atzingen,  Babaçulândia (TO),  29 de junho de 2025.

Existencialismo: Características e Conceitos:
Liberdade e Responsabilidade:
O existencialismo postula que o ser humano é livre para fazer escolhas e, consequentemente, é responsável por suas ações e pelas consequências delas.
Significado e Propósito:
A busca por significado na vida é um tema central. Os existencialistas argumentam que não há um propósito predefinido para a existência humana, e que cada indivíduo deve criar seu próprio sentido.
Angústia e Incerteza:
A liberdade e a responsabilidade podem gerar angústia e incerteza, pois o indivíduo se confronta com a ausência de respostas prontas para as grandes questões da vida.
Autenticidade:
O existencialismo encoraja a busca por uma vida autêntica, onde o indivíduo age de acordo com seus próprios valores e crenças, em vez de seguir padrões sociais ou expectativas alheias.  (Wikipédia)

Alma furtada

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Sinto que não faço absolutamente nada
quando não quebro pedra,
ou lambreto minha máquina no asfalto.

Pensar, ler e escrever
são lapsos que meu corpo engendra,

me auto-sabotam e me tomam de assalto.

Cada marretada que dou na matéria,
no poema ou na construção de algo,
com sensibilidade ou ritmo,
cria rasgos, fissuras da força empregada,

sou peão de obra, do andaime alto
voo para o salto.

Pensar em tempos de algoritmo
é o mesmo que cair em emboscada.

Então vou quebrar pedra.

Cada verso ou reportagem que crio,
sinto o cadafalso sob meus pés,
uma guilhotina, um pelotão de fuzilamento

pronta a despencar, pronto a atirar,
mas por obra do acaso ou do destino
erram o alvo e me salvo
por um fio…

Quando penso, quando leio, quando escrevo,
não ouço, não dou a mão, nem salvo ninguém do inferno,
da tristeza ou da dor.
Muito menos aumento as chances de ser amigo de meu traidor.

Então vou quebrar pedra.

Quando a obra se der por acabada,
seja em estilo sóbrio ou elegante
inspirada na escola romântica ou realista
sei que dei ao mundo o impensado
arrancando lá do fundo o que mais amo.

Quando a obra se der por acabada
meus poemas serão tag-ados
e rastreados por sua palavra-chave
identificados por back-links relevantes
e interpretados por apressados, superficiais e ignorantes.

Minhas crônicas otimizadas para o Google analytics
trarão informações de logística

e veneno em spray
para minha alma de poeta
e meu sangue de artista.

Paulo Atzingen, 17/5/2025

Ana Maria Soares

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Ana Maria Soares
Ana Maria Soares (Facebook)
Busco o pirão de carne na casa de Ana Maria Soares. Faço minha caminhada receitada pelo cirurgião e entro no condomínio Balbo sem precisar dar meu nome. Sou de casa.

Passo pelos anõezinhos do jardim que estão aqui desde que o mundo é mundo. Penso em roubar uma rosa mas um morador me olha da janela.

Ana me aguarda na porta, como sempre, como uma guardiã leal, que viu os filhos seguirem seu caminho e que agora, no frijir dos seus 84 anos aguarda o genro, como uma extensão da família.

É óbvio que sou a caricatura de um filho legítimo, mas justamente por ser órfão de pai e mãe reconheço o amor em situações e lugares onde é preciso só olhar.

Olho o amor de Ana Maria Soares toda manhã quando forro a mesa do café com um pano de prato, que seria apenas um pano de prato se não tivesse em volta uma barra de croché feita por essas mesmas mãos que me abrem a porta. São flores, são corações, são peixes, são formatos em linhas brancas que me enlaçam ao seu encontro.

Quando vejo este croché toda manhã antes do café, me corre um filme pela cabeça, passa pelas veias e me chega ao coração. Potiguar de Brejinho, sertão do sertão do Rio Grande do Norte, Ana Maria chegou a São Paulo na década de 60 seguindo o fluxo de nordestinos em busca do futuro. Ana costurou pra fora. Fez uniformes de firma, de escolas, de times de futebol, riscou e desenhou figurinos que deram lucro a terceiros, remendou camisas, cerziu fundilhos. Como uma ave, Ana protegeu seus filhotes, vestindo-os no verão e no inverno com suas asas de linha de algodão.

Olho o amor de Ana Maria Soares nesse pirão de carne que levo para minha convalescença. O amor de Ana está no ralar os legumes, no cortar a carne, no preparar os temperos, no salgar, no cozinhar o alimento que será oferecido aos seus filhos e netos, não importa quais.

Volto para minha casa com um coração aquecido por um amor que só Ana Maria Soares pode me dar e só eu posso perceber agora. Um amor que ela mesma não sabe onde nasce ou para onde vai, porque lá atrás era mais importante e urgente amar, do que explicar ou entender.

Obrigado, Ana, por me abrigar sob suas asas de linha de algodão!

Paulo Atzingen, 10 de maio de 2025

Olho o amor de Ana Maria Soares toda manhã quando forro a mesa do café com um pano de prato

Uma constelação

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Para a amiga Rose Almeida*

Essa estrela cadente
que despenca no céu
é a inquieta alma do Cosmo
que expressa seu canto
refaz a trajetória
nesse pano de fundo do passado
e nos cobre com seu negro manto.

Esse mapa cósmico
que Rose Almeida me traz
busca meu endereço de criança

naquela rua de paralelepípedos
onde aprendi a andar
naquela calçada de pedrinhas
em que me fiz garoto.

Naquela casa pintada de amarelo
onde mamãe, papai e os irmãos
formavam comigo a família
aprendi o que era o amor
o bem, o mal, a dor e o belo.

Esses pequenos bonecos
que a Rose traz
simbolizam o que serei
e o que será
mas também o que ficou pra trás.

São bonequinhos brancos e negros
homens e mulheres, adultos e meninos
que se expressam a partir
da escolha que faço
e da posição que os coloco
na tábua redonda
estabelecendo ali um elo, um laço.

Pergunta-me Rose, o que o coração diz?…
Vejo papai de frente pra mamãe
naquela parte da história
quando se uniram em casamento.
Respondo-lhe sem dúvida: “foram felizes, sou feliz!”

Mesmo depois de tanto tempo. 

Na mesa multicolorida
da constelação familiar
saltam-me aos olhos enigmas:
uma ponte, um céu e um muro.
Vejo-me abraçado e amado
por irmãos, pais e ancestrais
mesmo tendo sido imperfeito
inconstante e impuro.

São Paulo, 27 de abril de 2025.

*Rose Consteladora

Messias Jesus cantou pra Deus

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Messias
O louvor de Messias, a afinação de Messias, a gratidão de Messias, estão em sintonia com o que há de mais belo e puro no Reino de Deus, aqui na Terra (Reproduçao de vídeo)

Messias Jesus cantou pra Deus, agradecido, na última sexta-feira (25/4) em nossa Missão de Rua. Primeiro, após o banho, quando me entregou a toalha usada, depois no Salão, quando seu louvor ecoou pelos cantos e no coração de todos.

“Posso retribuir com um presente pra vocês?”, perguntou. “Sim, claro”, respondi, imaginando o que um irmãozinho morador de rua poderia nos oferecer. Então ele cantou.

E cantou um louvor buscado no fundo de sua memória. E enquanto cantava nos oferecia toda sua alma, toda sua riqueza, toda sua história.

“Bendito é viver em Seu nome, Senhor, em Seu nome… Senhor “…

OUÇA:

O canto do Messias, o sorriso do Roberto, a força da Helen e de tantos outros irmãozinhos e irmãzinhas são respostas ao Projeto Missão de Rua, da nossa IPI, do Ipiranga.

O louvor de Messias Jesus, a afinação de Messias, a gratidão de Messias, estão em sintonia com o que há de mais belo e puro no Reino de Deus, aqui na Terra. Seu louvor mostra que ele tem um coração grato, seja pela retribuição de um gesto, uma palavra, uma mão estendida.

Seus dois cantos, o primeiro após o banho e o segundo antes da refeição, são expressões claras, concretas de que o projeto Missão de Rua é um grão de areia de esperança e amor nesse grande deserto de solidão e abandono que são as ruas de São Paulo.

Messias trouxe ao nosso projeto um alimento diferente em forma de canto. Trouxe-nos o pão espiritual, sovado, amassado, cortado, assado e tomado forma lá fora.

Obrigado, Messias Jesus, você cantou pra Deus.

(por Paulo Atzingen)


Participe do Projeto:

O Projeto Missão de Rua acontece na Igreja Presbiteriana Independente do Ipiranga (Rua Agostinho Gomes 2235, São Paulo, SP, 04206-001 ·
(11) 2273-0146), na segunda e última sexta-feira de cada mês.

Próximas Missões:

Maio – 16 e 30; Junho – 13 e 27; Julho – 11 e 25; Agosto – 15 e 29; Setembro – 12 e 26; Outubro – 10 e 24; Novembro – 07 e 28; Dezembro – 12

LEIA TAMBÉM:

Um pastorzinho da Terra do Sol

 

Eu só peço a Deus

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O artista começa seu show instantâneo tocando a flauta andina que preenche os espaços do vagão e desperta do sono urbano os que ainda não o haviam notado (Crédito: PAtzingen))

Aos artistas latinoamericanos que tocam nas ruas*

por Paulo Atzingen

No metrô de São Paulo os artistas sobrevivem  com a  misericórdia que resta das pessoas e do brasileiro médio.  Não sei quem mais precisa de ajuda, o artista ou o povo. Este anda em farrapos material (mas não espiritual) e têm recebido esmolas emergenciais que não comprometem os cofres públicos nem os altos salários do Brasil.  Vivem assim não porque querem, não porque gostam, mas porque foi imposto a eles o trabalho, a luta e a sobrevivência no lugar de luxos, prazeres ou ócio. Não podem ir ao teatro, ao cinema e í  alguma exposição de arte e o que lhe restam são apresentações assim, de improviso, com a força e a alma que só os artistas de rua possuem.

Nesses ambientes urbanos é que se percebe a sensibilidade das pessoas que mesmo tristes e preocupadas aplaudem e retribuem com sua última moeda os verdadeiros artistas de rua, que vão aonde o povo está.

Talvez não exista troca mais justa e perfeita do que esta: músicos, intérpretes, poetas, mí­micos, trovadores, mágicos – que buscam no trem do metrô o alimento para sua famí­lia – e oferecem em troca comida iluminada  para a alma, dando aos tristes e desesperados uma réstia de luz natural em um resto de dia.

O artista entra no vagão com seus instrumentos de trabalho, um charango boliviano, uma flauta zampoña e duas esperanças: a de conseguir tocar sem que um brutamontes de uniforme lhe prenda e a de tocar o coração do paulistano mergulhado em seu telefone celular, em seus problemas e indiferente ao mundo e ao caos da superfí­cie.

O artista é um jovem com seus 25 anos no máximo, traja roupas artesanais feitas em algum tear nas fabriquetas clandestinas da periferia. Essa mesma periferia que abraçou os irmãos latinoamericanos que vêm a São Paulo na busca de trabalho e uma vida mais plena. Infelizmente a grande maioria desses irmãozinhos de cabelos lisos, de olhos pretos e esticados encontram a semiescravidão tropical.

Com a gentileza dos que têm a alma leve, o artista do trem pede perdão pelo incômodo e garante que depende do que faz  para levar o sustento para casa.

Começa seu show instantâneo tocando a flauta andina que preenche os espaços do vagão e desperta do sono urbano os que ainda não o haviam notado.  É um som profundo e que me atira no rosto  – mesmo com o ruí­do das rodas do trem – um vento vindo dos Andes, saí­do do ninho dos condores que moram nas grandes altitudes. Empunha sua viola charanga e começa a cantar:

Solo le pido a Dios

Que el dolor no me sea indiferente

Que la reseca muerte no me encuentre

Vací­o y solo sin haber hecho lo suficiente

Solo le pido a Dios

Que lo injusto no me sea indiferente

Que no me abofeteen la otra mejilla

Después que una garra me arañe esta suerte

Solo le pido a Dios

Que la guerra no me sea indiferente

Es un monstruo grande y pisa fuerte

Toda la pobre inocencia de la gente

Es un monstruo grande y pisa fuerte

Toda la pobre inocencia de la gente”

O artista retoma a flauta e se insere – e me coloca – novamente nas alturas do condor. Ele acerta o seu alvo aqui embaixo. Recebe aplausos e moedas e iça do fundo do poço o paulistano quase derrotado. Arranca do ventre da cidade homens e mulheres quase sem sangue e devolvem-lhe a cor e um novo dia.

Com a certeza de que em 50 anos pouco ou nada mudou, volto para casa cantando Mercedes Sosa:

“Eu só peço a Deus

Que a dor não me seja indiferente

Que a seca morte não me encontre

Vazio e sozinho sem ter feito o suficiente”.


*São Paulo, dezembro de 2019 ““ (antes do iní­cio da pandemia)

https://youtu.be/SIrot1Flczg

Aniversário no solstí­cio

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Comemorar aniversário
no último mês do ano
seja qual for a maré
ou as fases da lua
é chegar a uma festa
muito maior que a sua.

Vejam essas coincidências
irrefutáveis:
no dia em que nasci
o sol fica mais tempo no céu
e olhando pro alto
incontáveis
nuvens e o ar
formam
em precipí­cio
a imensidão.
vejam bem
isso:
aniversario no
solstí­cio
de verão!

É uma matemática
celeste
de esferas
que refletem
simultaneamente
nos trópicos
de Capricórnio
e de Câncer
mas quem
nasce dia 21
seja em qualquer horário
é considerado do signo

de sagitário.

Nesse dia mais
longo
do ano
as sementes são plantadas
no hemisfério sul
com mais fé
existe uma esperança
no coração
do agricultor
que vê o céu azul
e espera sua colheita
pois as chuvas
maiores
molham a estação
como um gesto
de amor.

E para não passar em branco
essa data natalí­cia
sem que eu fosse notado
uma conspiração cósmica
com uma precisão
cirúrgica
acertou em cheio
antecipando meu parto
para quatro dias antes
í  chegada do Menino
que dividiu a História
ao meio.

Esse 21 de dezembro
vem montado em promessas
que tardam mas não falham
na minha prateleira de esperas:
que eu perca peso e
diminua o açúcar
da minha corrente sanguí­nia
essas coisas da vida
Sexagenária.

Por fim,

agora mais do que nunca

maduro

só o que eu peço,

– na solidão do poema –

é uma oração mais plena

e um coração mais puro.

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