Escrever sobre o Padre Juca é atravessar um século e ir lá atrás, em 19 de agosto de 1885, data de seu nascimento em Pirassununga (SP).
Padre Juca foi o segundo filho da extensa descendência deixada na terra por Francisco von Atzingen e Sophia Levy, e sua história resiste mesmo diante da implacável poeira do tempo. Sim! Temos um tio que nasceu no século XIX!
Com o nome de batismo José von Atzingen, padre Juca foi assassinado com 15 facadas em seu quarto na Santa Casa de Misericórdia, em Cachoeira Paulista, em 20 de dezembro de 1957. Este fato bárbaro interrompeu um ciclo de bondade, renúncia e exemplos muito maiores e significativos que o próprio latrocínio. Sua obra foi maior e é isso o que importa. Neste espaço relatarei três episódios que mostram a natureza de bondade deste homem e a extirpe de cristal a que ele pertencia: a reza diante do edifício Itália em São Paulo, durante sua construção em 1956; o trem que não partiu sem ele para Queluz (SP); e o circo pobre que foi abençoado por sua intercessão, em Piquete (SP).
Livro de Tia Margarida e docs do Tião
A árvore genealógica da família semeada por Margarida von Atzingen em livro foi uma tentativa heróica de minha tiazinha da avenida 17, em Rio Claro, de congelar no tempo a passagem das nossas gerações. Admiro-a por isso pois conseguiu, antes da era digital, reunir dados dos nossos ancestrais. Nele encontro trechos da vida de meu tio José von Atzingen que após viuvar em 4 de setembro de 1927, tornou-se padre, o Padre Juca.
Os documentos guardados com zelo por meu tio Sebastião sobre o Padre Juca também me inspiraram. Esses documentos, se enviados ao Vaticano para análise, poderiam elevá-lo à condição de santo, sem exageros.
Dentre a miríade de atos não simbólicos, mas concretos de meu tio Padre Juca, que deve hoje estar organizando uma paróquia em alguma constelação do Universo e dando a si mesmo uma atividade prática para fazer, destaco relatos de sua misericórdia diária em favor dos pobres, miseráveis e desprovidos de compaixão. Padre Juca provia-os de tudo isso.
Embora tenha sido ordenado vigário por vários bispos no interior do Estado de São Paulo, o que salta para a história não são seus sermões em templos adornados por vitrais vindos da Itália, ou altares em ouro de alto quilate, o que salta para a história é seu trabalho no campo missionário, levando a palavra e o exemplo a quem dela precisasse. De posse sua, apenas a batina, dois sapatos e algumas peças de roupa.
Início da Ordenação
Após um período de 5 anos como seminarista (maio de 1928 a novembro de 1932) Padre Juca iniciou sua ordenação na Catedral de Taubaté como padre auxiliar, ali ficando por um ano. Em 1933 foi convidado e nomeado a vigário de Campos do Jordão, ficando ali de 1933 a 1938.
“Fiz nessa Paróquia o que pude, a bem das almas, e me esforcei para as obras da Matriz de Abernéssia, que foi mais tarde concluída”, escreve em sua autobiografia no livro de Margarida.
Ele mesmo descreve o enterro de sua mãe, nossa avó, Sophia:
“Era Vigário de Guará, quando em 1938, a 9 de agosto, faleceu a nossa querida mamãe, da qual eu mesmo, chorando, fiz o enterro e dei a absolvição solene até o túmulo “, relata.
Diante do futuro Edifício Itália
Veio algumas vezes para São Paulo, capital, e o tio João, em uma dessas vezes, foi recebê-lo, na antiga rodoviária Júlio Prestes. Assim que desembarcou, conta tio João, ele disse da vontade em ir visitar um amigo vigário na avenida da Consolação.
“Eram 10 horas da manhã – conta João – e achei que o melhor era irmos a pé, conversando pela Duque de Caxias e Avenida Ipiranga. Paramos na esquina da Avenida São Luiz e Ipiranga, onde existia um grande tapume com a placa dos construtores indicando que ali seria erguido o gigantesco Edifício Itália.
“Padre Juca perguntou-me que obra era aquela e eu informei que naquele local estavam erguendo o mais alto edifício da América do Sul. Ele parou em frente a uma abertura do tapume e olhou lá para dentro. Seus olhos deram com uma imensa cratera de quase 20 metros de profundidade, onde, enterrados na lama até os joelhos, trabalhavam dezenas de operários, seminus, retirando barro”.
“É, disse-me Padre Juca, falando consigo mesmo, será um grande edifício, mas sabe Deus à custa de quanto sacrifício, de quantos acidentes, de quanto esforço desses pobres coitados”.
E virando-se para o tio João, falou:
“Vamos pedir a Nosso Senhor que tudo termine bem, que ninguém se machuque e que esses operários possam ver com alegria esta obra terminada.
“Logo a seguir ajoelhou-se na calçada enlameada pedindo-me que fizesse o mesmo. Rezamos juntos uma Ave-Maria e um Padre Nosso e, de onde estava, Padre Juca lançou uma benção sobre os trabalhadores do outro lado do tapume.
“Até hoje, quando me lembro da espontaneidade e bondade daquele gesto, meus olhos enchem-se de lagrimas”, relata tio João. Este texto foi publicado por sua prima, Pérola von Atzingen, no jornal Diário de Rio Claro na edição de 17/5/1989.
Em breve “Meu tio, o Padre Juca (2)”
Quem puxa os seus não degenera!