Psicodelismos, geração pós-hippie, Contra-Cultura, Jack Kerouac, Bob Dylan e Belchior eram meus parceiros de estrada, de leitura e pensamentos...

As letras deste cearense que acaba de morrer no Rio Grande do Sul tatuaram a fronte de muitos jovens na década de 70 e 80. A minha foi uma. Enquanto amigos do interior se embebedavam de música country piegas e os da cidade de Roberto Carlos com sua Jovem Guarda, eu ia pela tangente, pois não era nem da roça nem do asfalto. Vivia de passagem.
“Se você vier me perguntar por onde andei/no tempo em que você sonhava / De olhos abertos lhe direi/ amigo eu me desesperava….” (A Palo Seco).

As distâncias que as estradas apresentavam e os abismos existentes entre a família indiferente e a sedutora liberdade das rodovias foram vasos perfeitos para que eu contesse essa arte maior de Belchior e sua alta poesia…

“Viver é melhor que sonhar / e eu sei que o amor é uma coisa boa/ mas também sei que qualquer canto / é menor do que a vida de qualquer pessoa” (Como Nossos Pais) – cantava Elis Regina, nos anos 80 levando o nome de Belchior às alturas. Mas que besteira, Belchior nunca se preocupou com altura, sucesso, fama, estrelato essas coisas medianas…tinha talvez, a realidade áspera nordestina e leituras filosóficas de colocar a vida em seu justo lugar.

Uma década depois de Belchior descer do Norte e quase morrer de fome na Cidade Maravilhosa (como Raul Seixas) eu subia para a Amazônia com alguns discos na mochila. Um deles era justamente o “Alucinação”, do Belchior.

Psicodelismos, geração pós-hippie, Contra-Cultura, Jack Kerouac, Bob Dylan e Belchior eram meus parceiros de estrada, de leitura e pensamentos…

Esse artista que morreu ontem cantou a solidão das pessoas nas capitais, fez versos duros que servem hoje como uma luva: “…Tudo poderia ter mudado, sim/pelo trabalho que fizemos tu e eu/ Mas o dinheiro é cruel / E um vento forte levou os amigos/ Para longe das conversas, dos cafés e dos abrigos/….(Não Leve Flores)

A música de Belchior, mas em especial este disco, que me pesava na mochila de jovem “on the road”, traçou meu caminho: “minha dor é perceber/que apesar de termos feito tudo, tudo tudo/ tudo o que fizemos/ ainda somos os mesmos e vivemos/ como os nossos pais/ (Como Nossos Pais).

Belchior, meu amigo brasileiro, latinoamericano, e sem dinheiro no banco, você, culto e inteligente que foi, conseguiu fotografar o presente e o futuro de um país, de uma geração e fundi-los em apenas uma imagem, instigante: fomos, somos e seremos como os nossos pais?

Belchior você foi ontem, mas deixou uma mensagem para o meu coração jovem – o mesmo jovem e o mesmo coração que na década de 80 rasgava a Transamazônica, caminhava pelo nordeste, viajava pelo Brasil, vivendo o êxtase da juventude…

Você nem sente nem vê / mas eu não posso deixar de dizer meu amigo/ que uma nova mudança em breve vai acontecer/ e o que algum tempo era novo, jovem/ hoje é antigo/ e precisamos todos/ rejuvenescer” (Velha Roupa Colorida).

Sim, Belchior. Quero vestir a minha velha roupa colorida hoje e rejuvenescer…precisamos todos, rejuvenescer. …

São Paulo, 30 de abril de 2017

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