Em 2021 talvez eu faça esta viagem para Monte Roraima porque já fiz amigos por lá ajudado pela tecnologia (Crédito: Roraima Adventures)

Por Paulo Atzingen

Talvez em 2021 eu faça aquela viagem para o Monte Roraima com meu irmão, a mesma que havia planejado em 2020, mas por conta do coronavirus foi adiada. Não sei, tudo está indefinido.

Talvez eu abra minha caixa de ferramentas de vez e diga e escreva verdades que constranja quem me lê ou me escuta. Talvez. Essa pandemia tem me deixado à flor da pele. Pare por aqui. Vá curtir seu facebook ou postar sua frase no grupo de whatsapp. É melhor, não sei.

Tá bem, continue.

Em 2021 talvez eu aprenda aquelas boas maneiras de agradar as pessoas nos momentos sociais, ou ao contrário, assuma de vez minha estupidez e fale palavrões, coce o testículo  em público e assista as lutas do MMA durante o dia, com crianças na sala, sem nenhuma vergonha de ver a violência  – e mesmo detestando aquilo, repugnando aquele sangue que escorre do supercílio do lutador –  aquilo tudo atende o meu dna tribal que pulsa dentro e que não dá pra esconder. Eis o paradoxal: em 2020 um verso de Carlos Drummond de Andrade ou uma prosa de Cora Coralina tem me atraído tanto ou quanto que um nocaute no octógono.

Eis o paradoxal: em 2020 um verso de Carlos Drummond de Andrade ou uma prosa de Cora Coralina tem me atraído tanto ou quanto que um nocaute no octógono. 

Talvez eu termine 2020 sem ter falado a metade do que queria, principalmente porque a tragédia social é tão grande que olhar para o umbigo seria algo patético.  Mesmo assim, sei que não passei em branco. Critiquei a corrupção na saúde, fiz um alerta sobre a prevaricação com os respiradouros, defendi o Pantanal dos canalhas que jogam índios contra fazendeiros e estes contra agricultores, fiz uma oração pedindo piedade aos políticos, enfim, fiz a minha parte.

Em 2021 talvez eu faça esta viagem para Monte Roraima porque já fiz amigos por lá ajudado pela tecnologia. Magno Souza é um desses amigos e demonstra ser um cara coerente, que respira a Amazônia e a respeita. É o típico agente de viagem que te fala de um lugar com força de espírito, com uma grandeza de coração que só encontramos nos olhos das crianças ou na correnteza  dos rios.

Sim, talvez eu vá para Monte Roraima menos por sua beleza, mas mais pelos méritos de quem o vive e o divulga!

Foi deprimente o que assisti de lives nesses tempos de pandemia, período em que burocratas (bem pagos) queriam falar de lugares místicos, falar de povo e de cultura sem sair de sua mesinha de contabilidade

Foi deprimente o que assisti de lives nesses tempos de pandemia, período em que burocratas (bem pagos) queriam falar de lugares místicos, falar de povo e de cultura sem sair de sua mesinha de contabilidade, sem abrir o coração ou ao menos tentar traduzir a fala de povos autóctones que só são compreendidos pela sua simplicidade e verdade, não por simplificações empacotadas,  explicações numéricas e portanto superficiais. Estou farto de ver e ouvir gente que viajou sem mergulhar, sem beber a água do lugar, sejam agentes de viagem de gabinete, operadores de turismo com pedigree e jornalistas e “influencers” que não sabem descrever um nascer ou um por do sol sem cair no clichê. Não respiram o ar de onde visitam, não descem de sua torre de “information”, de vocabulário contábil e continuam usando o termo imperdível como se ele fosse a última bolacha do pacote. Não, não precisam curtir o que eu escrevo.

Se Roraima não rolar, a vacina efetivamente funcionar e esse desastre de saúde pública global for controlado, no segundo semestre talvez aceite aquele convite para a Nova Zelândia.

Mas não aceitarei o convite por aceitar. O agente que me apresentou a Nova Zelândia se personificou de polinésio, tinha tatuagens tribais nos braços e no rosto e me falou dos rituais antigos de uma forma tão convincente que se estivesse lá me ofereceria para ser queimado na pira dos Maoris.

Entraremos em um novo tempo em 2021, tempo em que a originalidade se combinará com transparência, tempo em que a verdade fará par com a clareza, seja nos negócios, nas relações interpessoais, e principalmente na linguagem. Acredito nisso, se não aqui, no platô do Monte Roraima, ou então em alguma ilha da Polinésia.

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