A chuva cai em Leipzig e busco abrigo em um dos seus vários pubs. Pela janela vejo a rotina diária do morador desta cidade inclassificável. Idêntica aos das cidades modernas ocidentais, pessoas voltam do trabalho, estudantes da escola e turistas passam com suas sacolas de compras.
Idêntica apenas na casca e para aqueles turistas apressados que procuram shopping-center em um destino que transpira arte no seu mais alto nível. A cor das paredes mais antigas das construções medievais me remete aos tempos em que duques, príncipes e reis passavam por aqui em suas carruagens em ruas ainda de terra.
Uma cidade que teve a sorte de – depois de assegurada seu território pela força dos exércitos – ser erguida com o apuro dos grandes construtores. O centro histórico de Leipzig é um colar de pérolas de obras renascentistas, góticas, barrocas e clássicas, um emaranhado de estilos que se sobrepuseram época sobre época resultando em uma cidade inclassificável – como disse – em termos arquitetônicos.
O mapa me dizia que estava próximo a uma igreja, a Thomas Kirche. Procuro no guia detalhes sobre este monumento e me espanto: estava a 20 metros do lugar em que Martinho Lutero introduzira a Reforma Protestante, em 1539.
Mesmo com chuva, saio em direção à igreja. Acostumei-me a acreditar que a luminosidade tropical dá vibração às fotos, colorido e movimento. Descobri algo novo olhando as torres da igreja sob um sol cinza. As cores opacas das paredes medievais criavam uma moldura perfeita para aquele céu carregado e triste. O significado e o simbolismo de tudo aquilo que via impactava-me mais que os próprios monumentos observados. Algo assim de não se impressionar com o papel do presente, mas com o conteúdo e a sua utilidade.
Conteúdo e utilidade
Ao imaginar que Martinho Lutero caminhara aqui nesta rua em direção à igreja trazendo sob as axilas o evangelho traduzido do latim para o alemão tornava minha chegada à igreja um momento único. É justamente essa desfragmentação do grupo, essa busca de um olhar especial um privilégio para os que buscam.
Entro na Igreja medieval. Um coral de meninos entoa um clássico em seu ensaio vespertino. Ninguém na igreja além de mim e os 15 ou 20 garotos empoleirados em um mezanino. O som do órgão reverbera na nave. Um calafrio me percorre o corpo todo.
Ensaiavam um hino que eu escutara na infância na igreja católica e que, acima das classificações e disputas clericais, atravessara os séculos. O nome do compositor? Jonhatas Sebastian Bach. O mestre foi organista e diretor musical da igreja de 1723 a 1750, li na placa que legendava a enorme estátua do gênio na lateral da igreja.
Em Leipzig, mais uma vez, percebi a que o significado e o simbolismo de tudo aquilo que via impactava-me mais que os próprios monumentos observados. Algo assim de não se impressionar com o papel do presente, mas com o conteúdo e a sua utilidade.