Por Paulo Atzingen*
As noites na cidade mineira eram tediosas, longas e quentes naquele mês de janeiro. Meu irmão Nelson deu-me de presente um estágio na grande granja de suínos de onde sairia apto para cuidar de porcos, montar uma loja vendedora de ração ou me especializar em alguma atividade produtora de torresmo.
Nelson adiantou-me dinheiro, ofereceu casa, comida e até roupa lavada para que eu completasse meu estágio na granja. Foi o que fiz com muita aplicação durante os dois longos meses daquele verão de 82. Só que me faltava o óbvio para um jovem de 18 anos acostumado com a liberdade e liberalidade à época: uma namorada, ou, na linguagem daquele tempo, uma mina. E estava em Minas.
Nunca fui de frequentar prostíbulos e jamais acompanhara meus colegas do Colégio Agrícola em suas farras sexuais nos estábulos e nas pocilgas. Achava que tudo tinha sua hora e lugar. Para extravasar minha avassaladora fogueira subterrânea tinha a meu favor os cabelos em caracóis, os olhos cor de mel e uma conversa de pássaro canoro que usava como cartão de visita oferecido às meninas. E claro, os cinco dedos da mão direita, destro que era. Fazia versos curtos embora sem rima e sem sentido, tocava meus primeiros acordes na gaita influenciado por Bob Dylan e alegrava aniversários com minha juventude furadora de cerca, impetuosamente bovina.
Naquelas noites quentes, após passar o dia na granja limpando baias sujas de estrume, carregando sacos de ração ou auxiliando no parto das porcas prenhes, passeava pelas ruelas da pequenina cidade mineira em busca de um flerte, um sorriso, ou no máximo um amasso no portão. Minhas horas ociosas eram insuportavelmente difíceis e administrar aquela usina de hormônios juvenis era necessário me entreter com livros de zootecnia e revistas com bois e vacas em seu sentido lato.
Em uma daquelas noites lentas caminhando naquela monotonia da rua centenária vejo na janela de um casarão na calçada oposta uma moça que me sorri.
Noite! Calorão, hein?” disse na desesperada tentativa de um diálogo, isca, arapuca ou seja lá o nome que se dá à vontade de conversar com alguém e este alguém do sexo oposto.
Ela abriu um sorriso lindo e uma conversa sobre terra e agricultura campeou. Eu na calçada, ela no peitoril da janela. Não me pediu pra entrar, nem me ofereceu um copo d’água. Ficou estática, entre a veneziana e o vidro , ouvindo minhas ladainhas de tratador de porcos.
– Ah, você é estudante e vai trabalhar com suínos? Que coincidência, meu pai cria porcos…” falou naquele dialeto cantado de mineirinha criada entre as montanhas. Uma graça de moça com o cabelo preto curtinho e com uma franja que cobria a metade da testa clara.
– Você prefere Landrace ou Large White?
Ela me perguntava sobre a raça de porcos. O primeiro era dinamarquês, branco e de médio a grande porte, geneticamente transformado para o mercado abatedor. O segundo era de origem inglesa, mais raçudo e rústico. Não tinha preferências; estava a fim de verdade que a jovem descesse à calçada e pudéssemos estabelecer algum tipo de alquimia genuinamente brasileira.
– “Ambos são muito bons para o país aprender que a carne suína é mais saudável e mais ecológica que a bovina”, disse e não sabia que espírito de porco me emprestara essa frase.
– Você quer ir amanhã na nossa fazenda visitar a criação de porcos? Meu pai vai gostar muito” , disse a moça meio assim por educação, meio querendo encerrar a conversa para ir dormir. No interior o povo se apronta para dormir quando Vênus, a estrela Dalva, desponta no horizonte ao nascer da noite.. Tive um pensamento urbano – malvado e rápido – mais ou menos assim: “o que esta moça tem de bela tem de boba, inocente, mal me conhece e já me convida para visitar a fazenda do velho. E se eu fosse um mal intencionado?”…
Aceitei na hora e marcamos já para o dia seguinte a viagem à fazenda. Perguntei-lhe o nome:
– Me chamo Joana, Joana Darc.
Boa noite.
Boa noite.
Fui dormir pensando na heroína francesa queimada na fogueira.
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