Talvez a principal matéria-prima daqui da Patagônia Chilena não seja nem o frio, nem a neve, mas o silêncio. Outro elemento perceptível e que tem aqui às baciadas, mas que não damos conta é a claridade. A combinação do azul sem adjetivos do céu e o branco das geleiras nos oferece uma overdose para os olhos.

Desaprendemos o olhar. Todas essas lembranças que trazemos de nossas acinzentadas metrópoles são apagadas aqui – se deixarmos, é claro – com uma nova maneira de respirar, de observar e de avistar o voo do pássaro, os albatrozes como são chamados, até que eles desapareçam em meio ao glacial, ou detrás do navio Via Australis. Em resumo, é preciso que se dê tempo ao tempo, bater menos fotos, falar menos e gravar as imagens no facebook da mente.

Aqui, a América do Sul se despedaça em centenas de ilhas e ilhotas de pedra e gelo e seus moradores, elefantes-marinhos, pinguins, castores e esses albatrozes nos dão as boas-vindas. Neste final de outubro, quando a pseudo-primavera começa, eles surgem com mais intensidade nas margens dos canais para nos observar e serem observados.

Café dos madrugadores

O Diário de bordo do navio Via Australis informa que o sol levanta às 6h59 e se põe às 20h09 deste dia 11 de outubro. Fui tomar o café dos madrugadores, servido a partir das 7 horas no Salão Yamana. Lá só encontrei ingleses tomando seu chá matinal.

Na manhã deste segundo dia, navegaremos pelos canais que desenham o Parque Karukinka, que na língua dos yagan, povos primitivos daqui, quer dizer “Nossa Terra”. Descerermos no cerne desta Terra do Fogo.

(…)

Embarcamos. As cores laranja dos salva-vida se destacam a centenas de metros. Os rios de neve que descem do topo da cordilheira chocam com nossos rostos durante a travessia. O ronco do motor do Zodiac rasga a água semi-congelada e agita a manhã de sol frio.

Para enfrentarmos esse ambiente com o mínimo de conforto é preciso vestir roupas impermeáveis, botas de trekking, gorro, luva e estarmos prontos para o que é colossal. As imagens não cabem na grande angular da máquina fotográfica, as rajadas de vento surgem como grandes lambadas de uma cauda onipresente chamada clima patagônico.

A pele tropical se retrai. À medida que o corpo vai se adaptando ao macro-clima dos glaciares, os olhos penetram mais fundo na cútis da montanha, despindo-a, lentamente.

Os olhos, porta de entrada dos sentidos, à medida que se adapta ao campo branco que se espraia de uma ponta a outra do glacial, percebe a sutileza das correntes de ar que determinam o bailado das gaivotas. Não é o pássaro que voa, mas são os feixes de vento que o sustentam no ar.

Cada vez menor, o Via Australis, desaparece entre a bruma que o bote deixa para trás.

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