A tarde desce a ladeira nessa BH montanhosa e o horizonte é uma mistura de beleza com interferência e equilíbrio com ruídos. Nada é puro. Até os raios de sol caem sobre a montanha um pouco contaminados.  O grande poeta mineiro escreveu na década de 30 aquela obra-prima, Cidadezinha Qualquer, descrevendo a simplicidade e lentidão da vida de uma cidadezinha qualquer, talvez Itabira, sua cidade natal, que de tão simples e lenta, o irritava: “Eta vida Besta, Meu Deus,” escreve ao final. É porque Carlos Drummond de Andrade não conheceu BH em 2015. Não, BH não está lenta, mas trans-formada. Esse bairro da (família) Savassi está esteticamente perfeito, politicamente correto. Ele está igualzinho à Berrini, à Boa Viagem, ao Cambuí, ao Leblon, à Manhattan. Que padronização estéril! As academias são as mesmas, os carros são os mesmos, as construtoras são as mesmas, os shoppings são os mesmos…

Se o modelo do Capital era padronizar tudo ele conseguiu. Os edifícios envidraçados e a arquitetura arrojada dos novos papas do cimento e do concreto armado atingiram seu estágio mais elevado e já podem ser conduzidos ao panteón da mesmice, ao pódium da Xérox corporation. O bairro chique onde fica o hotel não há pedestres. O automóvel impera e ninguém desce à rua para ir à padaria, porque não há padaria, ninguém desce à rua para ir à quitanda, porque não há quitanda. Ninguém desce à rua para ir ao bar, porque não há bar. Ruas antissépticas para automóveis do ano e calçadas perfeitas para ninguém andar.  Mas afinal, onde estava aquela Minas Gerais que conheci adolescente, viajando de carona e de trem por este estado, ouvindo Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges e Paulinho Pedra Azul? Onde estava aquela Minas Gerais das Carrancas do São Francisco, dos contos fantásticos de Guimarães Rosa?  A minha Minas Gerais, como eu conheci, estava fora dos shoppings, fora dos carros e fora dos iphones.

O bairro chique onde fica o hotel não há pedestres. O automóvel impera e ninguém desce à rua para ir à padaria, porque não há padaria, ninguém desce à rua para ir à quitanda, porque não há quitanda

Fui ao mercado central atrás de algum vestígio da história das Minas. Vi pássaros engaiolados, artesanato original, e um velho restaurante, tocando… Milton Nascimento… O sotaque dos mineiros ainda ecoava genuíno, a gentileza de pessoas simples que trabalham no mercado, os vendedores de queijo canastra também. Isso sem falar no tutu à mineira, a síntese do sabor desta terra. A couve refogada, o torresminho derretido em meio ao feijão, o tempero natural, a pimenta, matérias-primas de uma história construída em centenas de anos.

E, ao fundo… o velho Milton e o seus amigos do Clube da Esquina… me içavam do fundo de um poço e me traziam à memória uma água que nunca se turvou:

Água de beber, Bica no quintal, sede de viver tudo, E o esquecer, Era tão normal que o tempo parava, Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa, Tinha o sol da manhã, E na despedida tios na varanda, jipe na estrada, E o coração lá”.

 

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