Para Mercedes Sosa (in memorian) (Foto: PicMix)

Ela foi colocada ao meu lado pela mãe (ou era a avó?) naqueles bancos de idosos, obesos, lesados ou grávidas que todo ônibus tem ou deveria ter. Quis dar lugar à senhora, mas ela recusou (a filha ou a neta, como eu, ocupava um lugar que não era nosso por direito e ela já gastava sua cota colocando a garotinha ali).

A menina era de um tipo miúdo – daquele que come dois centímetros de qualquer coisa e se farta – mas trazia uma energia misturada com uma alegria saídas de algum forno de felicidade. Sei bem que era a felicidade da infância. Ela era toda comunicação; falava de um tal unicórnio azul que vira em seu jardim, de uma borboleta que atravessara seu caminho, de uma menina que puxara seu cabelo, de bolhas de sabão, da professora que ensinara-lhe a música, da chuva de ontem, da moça da televisão, de… Ganhou-me e ganhou um parceiro de prosa. Quis adivinhar seu nome e pedi-lhe apenas a primeira letra. Deu-me a jato:

– “Letra T”

Muito bem, você se chama… Tamiris!…. arrisquei…

Riu de mim pelo erro e repetiu com aquela disposição de infância: “não eu não me chamo Tamiris!”

Tá bom, você se chama Tamara! – palpitei, e ela novamente riu, repetindo “não, eu não me chamo Tamara”! E esse joguinho de adivinha nome comeu uns dez pontos que o tempo chegou ao fim da Via-Láctea.

– “Começa com Ti”, ajudou-me….

“Tireza”, instiguei o ilógico no jogo da imaginação….

“Não existe Tireza”, ria-se, ria, ríamos e ela arrastava com seu riso todos os ocupantes do ônibus com esse diálogo insólito em uma tarde da metrópole, dentro de um ônibus urbano.

Por fim, ela revelou: “Eu me chamo Tiffany!”

– “Com dois effs?!” Perguntei-afirmando…

Olhou-me admirada e disparou:

“-Olha, ele é sabido, sim, com dois effs”, respondeu galhofando e com uma intimidade só encontrada nos momentos em família, no adocicado diálogo entre pessoas que se amam, se entendem, no encantado mundo puro de criança, sem as amarras de sentimento, sem âncoras de silêncio.

Antes do ponto de destino, brincamos de o que é o que é. Antes de descer, vi nos rostos das pessoas que voltavam do trabalho um sentimento sem explicação. Em meia dúzia de rostos morava uma espécie de contentamento, de resgate de um tempo em que falavam às claras, sem meias-verdades e diziam francamente o que sentiam e extravasavam do peito as palavras contidas, que cantarolavam e conversavam com as pessoas mesmo sem conhecê-las.

Tiffany, minha amiga miúda do ônibus com seu coração banhado de sol, desceu com a mãe (ou seria a avó)? no mesmo ponto que eu. Olhou para trás e ainda acenou com seus bracinhos finos.

Saí andando deslumbrado pensando nos unicórnios azuis e fadas encantadas, no jogo de adivinhas e nesse encontro com a garotinha miúda . Seria isso tudo fruto da minha imaginação?

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