Na capela

Joana parou a charrete em frente à capela, sem minha ajuda apeou e sem olhar pra trás entrou porta adentro. Pulei do outro lado e a segui, sentando em um dos bancos ao fundo. A ermida era pequena, mas possuía um órgão, um púlpito, uma cruz em madeira atrás de um pequeno altar e lindos vitrais que filtravam a luz do sol. O silêncio da pequena nave gótica aplacava o ruído dos porcos, o batuque do coração e o tráfego congestionado da mente e os tantos estímulos vividos à pouco.

Joana com o auxílio das muletas agacha-se diante do altar – ameaço ir ajudá-la mas estanco quando ela, muito firme em seu propósito, dobra as pernas metálicas e com um certo sacrifício se ajoelha diante da Cruz. Era um momento único dela, seu momento particular de reverência e respeito ao Cristo crucificado. Uma brisa de constrangimento bateu em meu peito, minha boca secou. Não tinha fé suficiente para ajoelhar-me muito menos educação cristã capaz de entender o significado daquele gesto. Ajoelhar para mim à época era coisa fora de cogitação, para milagres comprovados a santos e mártires;  jamais para pedir perdão por um beijo na pocilga. Mas Joana inexplicavelmente estava ali, com suas pernas metálicas, com aquelas dobradiças em titânio, ajoelhada, prostrada diante do altar da capela. Me senti sobrando, sai e sentei na escada. Dali dava para ver os vastos milharais da fazenda além e à direita do lago e as largas extensões de terra arada prontas para o plantio.

Esse affair com a filha do fazendeiro poderia desencadear um namoro ou algo mais. Sem irmãos e como filha única seria eu o predestinado a vir cuidar desses campos de milho? Poderia, quem sabe, virar um fazendeiro de Minas, com alqueires de Minas e grande produtor e exportador de grãos? E ela, poderia ter filhos? Adotaríamos?

Nesse segundo ouvi as primeiras notas vindas do coração da capela. No inicio pareciam longínquas e desconexas, porém formavam uma melodia familiar que preenchiam minha alma até ali. Sim, dava pra ouvir! Joana retribuía a música que tocara na cabine do caminhão! As notas do órgão enchiam os espaços da capela, saiam pelos vãos dos vitrais e se espraiavam pela fazenda. Retornei ao estômago da capela e à presença daquela figura delicada e cheia de enígmas que era Joana. A rusticidade de minha gaita e a minha própria rusticidade uniram-se aos acordes infinitos do órgão de Joana D’arc com suas pernas metálicas e tocamos juntos a melodia de Bob Dylan que falava mais ou menos assim:

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento

A resposta está soprando ao vento

(OUÇA:)

————

FIM

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