Deixei a cidade do Porto como se deixa um continente a ser descoberto. Não por suas minas de ouro ou madeiras nobres – já que todas essas estão fundidas nos altares das igrejas, nos sepulcros e monumentos – mas pelo número de atrativos culturais e históricos que não me foi possível conhecer.

O overtourism desembarcou na cidade e em poucos momentos consegui vivê-la com intensidade e profundidade. Este mês a cidade foi apontada como a melhor do mundo para fazer turismo. Há, no entanto, controvérsias. Cidade para viver e usufruir plenamente de seus serviços e produtos ou apenas dizer que passou e tirou uma self com o Rio D’Ouro ao fundo?

Aqui, como toda cidade que se descobre e ganha suas primeiras grandes ondas de recursos para se retroalimentar de viagens, tudo se empastela em um ritmo de consumo superficial e instantâneo. Lojas de souvenirs, cafés, free-shops, estátuas-vivas, passeios de um dia, bate e voltas e tudo aquilo que se conhece para entreter e embriagar o turista modernoso.

Numa perspectiva, nas imediações da Catedral da Sé, o formigueiro de visitantes lembrava o furdunço de sacoleiros da 25 de março. Na rua Santa Catarina, a mesma do nosso Grande Hotel do Porto (um três estrelas clássico mas onde conhecemos um café da manhã com requintes da realeza, paradoxalmente) a qualquer hora parecia que estávamos no Brás, próximo ao Natal.

Seria injusto dizer que Porto não está preparada para receber gente exigente, sofisticada e chata – grupos dos quais acredito não fazer parte. Está sim e, tanto o município quanto as empresas mostram-se aptas com soluções humanas (gente trilíngue atendendo e usando a simpatia britânica) e tecnológicas (tudo funcionando maquinalmente bem, basta ter umas moedinhas no bolso).

As escadarias espiraladas da Torre dos Clérigos e da Catedral da Sé exigem um certo preparo físico e a vista da cidade, os contornos do rio D’ouro, a ponte Luís I e o mar podem ser vistos magnificamente lá do alto. Valem o esforço. O problema é arrumar espaço na torre para contemplar a paisagem por mais de um minuto sem ser empurrado por um inglês, francês ou brasileiro, que também lutam pela sobrevivência da espécie: os fotografadores.

Navegar não é preciso, viver, sentir não é preciso, mas fotografar, para os fotografadores, é preciso.

O mesmo se dá no acesso ao bondinho funicular que desce ou sobe do Cais da Ribeira à cidade alta: excesso de fotografadores e… mais fila.

Os fotografadores são pessoas de todas as idades – de 10 a 70 anos – bem trajadas, fazem de três a quatro refeições por dia e vêm dos quatro cantos do mundo. Toda torre, escadaria, avenida e semáforo, coluna, porta de madeira, ruelinha estreita, janela com claridade ao fundo e chafariz mesmo sem água fotografam, não querem perder nada. E têm pressa, como se aquilo fosse desaparecer em trinta segundos…

Os restaurantes em torno do centro de Porto, em sua maioria com filas de espera, e na Ribeira, também cheios, cobravam preços que refletiam o Rio D’ouro. Como bons turistas, contribuímos com a cadeia produtiva, mas fica o registro.

Confira imagens:

Em uma das escapadas para fora do circuito convencional conhecemos o Museu de Arte Contemporânea Serralves. Lá há poucos fotografadores e foi o espaço que fugiu do lugar comum em Porto. Primeiro pelas exposições instaladas, depois, pelo vasto jardim em seu entorno e, por último, pela ausência da luta pela seleção da espécie dos fotografadores. A entrada custa 12 euros, mas vale cada centavo.

A exposição de Agustina Bessa-Luís, uma das mais reconhecidas escritoras de Portugal, que morreu em 2019, tem uma área extensa com seus textos magníficos colados nas paredes e em instalações improváveis. É surpreendente. O média metragem – Sementes Selvagens – apresentando sob outro ângulo e perspectiva a devastação da Amazônia deixa claro o que pensa o mundo sobre nós. O filme estreia no Brasil neste mês de novembro.

Fora do Museu de Arte as surpresas continuavam. Na área verde do Parque Serralves, uma alameda com árvores em fim de outono formavam uma esplêndida paisagem. O ar de uma pureza envolvente fazia par ao silêncio cortado apenas por cantos de pássaros. Caminhos bem cuidados eram margeados por árvores centenárias como o Plátano, a Araucária e uma Oliveira de 1400 anos. Mais adiante, uma fazendinha com carneiros pastando me deu uma perspectiva do Paraíso.

Tornei-me um fotografador. Fotografei a Oliveira milenar e a fazendinha com seus carneirinhos. Vá que eles desapareçam em trinta segundos?

Se o concurso do Word Travel Awards usa também como referência passeios longe das lentes e do eixo dos fotografadores e seus formigueiros, então assino embaixo.

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