Gramado (RS) – A entrevista com Jussara Höppner estava marcada para acontecer no café da manhã no Ritta Höppner Rezidenz, em Gramado. Cheguei um pouco antes, andei pelos jardins bem cuidados, fotografei a casa-hotel por fora e por uns instantes desembarquei em um país entre os Alpes.
O espaço do café e, na verdade todo o hotel, é detalhadamente decorado com objetos que se destacam não por serem funcionais, já que decoração não tem essa finalidade objetiva – mas justamente por serem disfuncionais – nos arrancam da padronização moderna e horizontal imposta e nos despertam para um mundo de contemplação de detalhes e da arte que adormece sobre as coisas.
São louças pintadas e confeccionadas com a delicadeza das mãos da artesã anônima, bordados elaborados que remetem às estórias da infância, móveis e lustres requintados, que não afrontam pelo luxo afetado, mas pela leveza e pelo bom gosto de quem os adquiriu.
À mesa, pude distinguir o perfeccionismo artesanal dos que pensam e constroem esse hotel através de suas quase seis décadas – com o desenho de uma flor – que depois saberia o nome – entalhada em todas as cadeiras do restaurante.
Perguntas sinceras, respostas profundas
Jussara chega um pouco atrasada e logo justifica-se por um concorrido evento na noite anterior, no qual foi homenageada. Avessa a galanteios, disse-me que não é muito dada a premiações. Após alguns anos reencontro-a rejuvenescida e carregada de entusiasmo por seu novo projeto que saberia ao final da visita.
Descobri, nessa conversa-entrevista que se fazemos perguntas sinceras, claras e sem respostas embutidas nessas questões ou com intenções bajuladoras, ganhamos de presente respostas sinceras e com alguns condimentos ricos em essência, como profundidade, franqueza, detalhamento e pormenores que, ao perguntarmos, não imaginávamos. É preciso, porém, conciliar o nosso tempo ao do entrevistado e ter a sorte de entrevistar pessoas com sensibilidade.
Com Alma
A classe de Jussara Höppner nos surpreende no modo educado de se dirigir aos funcionários, ao cumprimentar o jardineiro e ao falar de forma pausada à recepcionista, mas, não menos importante, saber como sensibilizar seus convidados: “Depois de alguns anos vamos percebendo junto aos nossos hóspedes do que eles gostam. Descobrimos que é preciso tocar no coração das pessoas. Um hotel sem alma seria só um meio de vida. Isso não pode ser…”
Nota-se que sua maturidade adquirida em viagens pelo mundo não a tornou uma pessoa sofisticada, mas uma criatura leve, alegre e atual. Percebi que ela chegou a um nível de ser que a incapacita de ver no trabalho apenas como um meio para a realização profissional, mas vê seu trabalho e seu empreendedorismo como uma ponte para as pessoas atravessarem em segurança e crescerem também. O grupo da família Höppner emprega hoje cerca de 90 pessoas distribuídos no Mini Mundo, o parque de miniaturas, e no Hotel Ritta Höppner.
Casa da vovó
Atravessamos o jardim e ela me leva à primeira casa da propriedade – por pouco não demolida se não tivesse o feeling em mudar de ideia quando os operários já estavam com as marretas na mão… “Ao invés de derrubar, quanto vocês querem para reformar esta casinha que era de minha avó?” recorda ao dizer-me que os operários aceitaram a missão e ao invés de a destruírem, reconstruíram a história.
“Consegui trazer para cá o cheiro do passado com o frescor da infância”, diz ao entrarmos na casinha que tem o piso, as paredes, a banheira e um bocado de utensílios ainda originais. A casa tem 104 anos e dentro dela brincavam crianças de cinco.
Borboletas flutuantes
Atravessamos o Centro de Eventos Ritta Höppner, que está prestes a ser inaugurado e chegamos à Capela dos Anjos, inaugurada em maio. Ela ergue-se entre Araucárias centenárias e integra-se à paisagem de uma forma espantosa e equilibrada.
“E um sonho muito antigo. Os desenhos das janelas foram inspirados de uma igreja da cidade de Cortina D’Ampezzo, na Itália. É uma igreja Ecumênica pois já fizemos aqui casamentos árabes, judeus, cristãos…várias denominações”, enumera a senhora Höppner. Estávamos no interior do templo e a manhã trazia canto de pássaros e raios de sol que entravam pelos vitrais e refletiam em um grande lustre…
“Esse lustre, Jussara aponta para o alto – é todo de cristal e essa lâmina de vidro que fica em cima do altar cria um efeito luminoso fantástico. Conforme a época do ano o sol entra na capela e transforma o reflexo do lustre em borboletas flutuantes…”, descreve a empreendedora que novamente demonstra seu astral fora da curva, incomum no mundo dos empreendedores que colocam a realização profissional, os dados estatísticos e os lucros como palavras de ordem…
Flor Edelweiss
Jussara fala mais sobre os seis anos que levou desde a concepção do projeto até a inauguração da capela, agradece à amiga e artista Patrizzia Trovatti que pintou os anjos e o Espírito Santo (representada pela pomba branca) no altar e aponta para os vitrais que têm uma flor em seu centro. “Diz a lenda que todo homem deve colher ao menos uma vez na vida uma Edelweiss e entregar a sua mulher, para expressar seu amor”.
Descobria ali o significado das flores espalhadas pela propriedade. A flor Edelweiss está aplicada no piso do parque Mini Mundo, nos vitrais das portas e nas cadeiras do restaurante e agora, no vitral da Capela dos Anjos.
O Mini Mundo e o Ritta Hoppner, os dois empreendimentos da família, adotaram esse flor para simbolizar o sentimento que os ergueu durante os últimos sessenta anos. Um negócio que deu certo acima de pragmatismos, acima de objetivos e metas. Sentimento que é banalizado no mundo dos empreendedores – por vergonha ou por orgulho – mas fundamental para a sobrevivência, aqui prevalesce: o amor. Sim, Jussara, é preciso tocar no coração dos hóspedes. E você toca, mesmo quando vamos apenas tomar um café da manhã e saber as novidades.
*O jornalista Paulo Atzingen viajou a Gramado pela Avianca