Memória dos Martírios
Inscrições Rupestres da Ilha dos Martírios (Crédito: Noé von Atzingen - divulgação)
Esta é a primeira parte da série Memórias dos Martírios | Serra das Andorinhas relatada pelo professor e biólogo Noé von Atzingen. Nessa introdução, Noé faz uma retrospectiva de seu primeiro contato com a região – por meio de um livro de Francisco Marins – e narra que a literatura da adolescência tornou-se real, ao redescobrir, junto com dois amigos, em 1986, as Inscrições Rupestres em sua primeira expedição à região no Rio Araguaia. Confira a seguir, o relato de Noé. 

I INTRODUÇÃO

por Noé von Atzingen Maio de 2023

Por volta de 1962, quando ainda adolescente, li um interessante livro do escritor paulista Francisco Marins, intitulado: Expedição aos Martírios: No livro alguns garotos, acompanhados pelo tio, seguiam em canoa, por um grande rio através do sertão bravio. A história era recheada de pescarias, caçadas e encontro com animais. Ao final, naufragavam e se salvavam em uma ilha repleta de gravuras rupestres. Esta bela história sempre povoou minha mente. Vinte e cinco anos após, já havíamos criado a Casa Da Cultura de Marabá e estávamos em sua coordenação, quando soubemos da intenção de construção da hidrelétrica de Santa Izabel no Rio Araguaia.

Livro Expedição aos Martírios, de Francisco Marins (reprodução)

Em Maio de 1986 à meia noite, Eu, Lourival Macias Filho e Amado Sinésio, tomamos um ônibus da Transbrasiliana em Marabá e fomos até São Geraldo do Araguaia. Ao amanhecer estávamos na margem do Rio Araguaia. Ali soubemos que um barco de linha (paco-paco) pilotado pelo Sr. Izidorão, desceria para a Vila de Santa Cruz, na direção da cachoeira de Santa Izabel.

A descida pelo magnífico Araguaia foi espetacular. Paisagens deslumbrantes. Florestas bem conservadas, pedrais impressionantes e corredeiras incríveis! (Carreira Comprida, Remanso dos Botos e muitas outras) O perigo nos espreitava em cada uma das dezenas de corredeiras por onde a embarcação passava célere, às vezes raspando nas pedras ! Sem nenhuma dúvida foi uma experiência emocionante!

Vila de Santa Cruz!

Ao cair da tarde avistamos Vila de Santa Cruz!

Do lado paraense, à esquerda, havia uma enorne muralha de rocha. Do lado direito, pertencente ao estado do Tocantins, avistamos uma ilha, que posteriormente descobrimos ser a Ilha dos Martírios!

O Rio corria pelo canal vertiginosamente. Decidimos ficar na ilha, já que não conhecíamos ninguém na Vila.

Quando estávamos carregando nossos equipamentos do barco para o centro da ilha, fomos surpreendidos pelo avistamento das gravuras esculpidas nas lajes! Foi uma grande emoção! Minha memória, imediatamente levou-me ao inesquecível livro lido há muito tempo atrás…

Praticamente não dormimos naquela noite, ficamos encantados, percorrendo a ilha com lanternas, apreciando as centenas de gravuras!

Naquela mesma noite comecei a arquitetar mentalmente um projeto visando resgatar as gravuras já que, se a hidrelétrica fosse construída, uma parte significativa da memória amazônica ficaria submersa! No dia seguinte pela manhã, o barco veio nos buscar e nos levou para conhecer a Vila de Santa Cruz. Fomos apresentados ao Sr. Pedro Branco e sua esposa D. Rita . Seu Pedro nos levou a conhecer a Vila e seus moradores.

Inicialmente não nos viram com bons olhos, já que ” aqueles branquinhos de mochilas às costas “lembravam muito os guerrilheiros que há poucos anos atrás viveram e foram mortos ali na região.

A Ilha dos Martírios, no Rio Araguaia (Crédito: Noé von Atzingen – divulgação)

Sítio Arqueológico

Ao pisar na Vila de Santa Cruz, imediatamente percebi que a Vila estava sobre um enorme Sítio Arqueológico! A quantidade de fragmentos cerâmicos e lascas líticas afloravam por toda a vila e seus arredores! Mais um ótimo motivo para estudarmos a região. Fomos também conhecer a impressionante pedra escrita. Constatamos então que as gravuras não estavam apenas na ilha, no lado tocantino, mas também havia gravuras no lado paraense, embora em menor profusão. Verificamos, ali na margem do Araguaia, a existência de algumas grutas. Algo muito interessante e que obviamente chamou nossa atenção !

Ficamos hospedados na casa do seu Pedro por dois dias. O retorno de barco foi mais difícil que a descida . Tivemos que descer em vários pontos para o barco ficar mais leve e subir mais facilmente as corredeiras. Retornamos com a cabeça fervilhando de ideias!

Em Marabá, entrei em contato com minha família em São Paulo e pedi o envio do livro Expedição aos Martírios. Quando este chegou, não tive mais dúvidas: O que encontramos era realmente os Martírios! No final do livro havia reproduções de algumas gravuras e eram idênticas às da ilha!

Inscrição rupestre em destaque sobre a pedra (Crédito: arquivo pessoal Noé von Atzingen – divulgação)

Percebemos, ao examinar a bibliografia do livro de Francisco Marins, que ele se baseara no “O Mistério do Ouro dos Martírios” do historiador paulista Manoel Rodrigues Ferreira. Entramos em contato com o autor, surgindo daí uma profícua amizade que resultou em nossa entrada para a Academia Paulistana de História. Mas isto já é uma outra história…

Bibliografia
Marins, F. 1952. Expedição aos Martírios. Ed. Melhoramentos. São Paulo

Ferreira, M.R. 1960. O Mistério do Ouro dos Martirios. Ed Biblos. São Paulo

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