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Além de todo o acervo ambiental e cultural que a Serra das Andorinhas oferece, a região também foi palco da famosa Guerrilha do Araguaia, que começou em 1972 e terminou em 1975.

por Noé von Atzingen*


Em nossas primeiras excursões à região em 1986/1987, encontramos os moradores com muito medo e desconfiança de qualquer estranho que por ali passava. Nos primeiros dias, alguns nem abriam suas portas para nós. Ouvimos deles que o exército ainda tinha informantes por ali e quem conversasse com estranhos era denunciado como suspeito.

Não era para menos esse medo todo! A grande maioria dos moradores sofreu muito com a repressão do exército: tiveram que ficar confinados à Vila de Santa Cruz. Só podiam ir às suas roças ou pescar se fossem acompanhados pelos soldados. Também não podiam sair a noite para caçar.

Transcrevo a seguir parte do depoimento que colhemos com a Madalena, uma moradora da vila de Santa Cruz:

Qualquer morador que desse um copo d’água ou um prato de comida a um guerrilheiro, era severamente punido e muitas vezes levado preso para Xambioá, onde era jogado no buracão e aí permanecia por dias ou meses”

Muitos tiveram suas roças queimadas e casas incendiadas, com todos os seus pertences, eu ( Madalena) , na época com 10 anos de idade, junto com seus pais e irmãos fomos arrancados de casa só com a roupa do corpo e presenciamos nosso barraco ser queimado pelo exército. Tivemos que se arranchar na casa de conhecidos na Vila de Santa Cruz até o fim da guerra”.

” Teve o Hermógenes da Cardinha que foi amarrado no helicóptero e levantaram voo com ele dependurado em uma corda. O Hermógenes entre outros ferimentos, teve sua bacia fraturada. Além desses, ainda me lembro do Picida que foi muito torturado eo Silvano, irmão do Picida, que morreu devido às torturas. O Izidorão que você conheceu, foi amarrado sobre um formigueiro e foi obrigado a comer limão com casca e tudo. O germano foi obrigado a comer urubu e ainda teve seus dentes quebrados’, relata

Madalena, moradora de Santa Cruz (Arquivo Pessoal)

O exército sediado em Marabá, abriu as estradas OPI, Op2 e Op3 que deram acesso à Serra das Andorinhas, onde os guerrilheiros, chamados também de terroristas pelo exército, lá viviam já há alguns anos. Havia um guerrilheiro por nome Amauri, que tinha uma pequena farmácia em Santa Cruz e era muito querido da população local.

O contingente de 69 guerrilheiros, a maioria estudantes do Sudeste do Brasil, mal alimentados e mal armados, deram muito trabalho ao exército nacional, que com mais de 10 mil soldados bem armados, bem alimentados, com helicópteros etc e mesmo assim levou 4 anos para por fim à guerrilha!

Os guerrilheiros tinham uma base, na região da Serra, na margem do Ribeirão Gameleira. Essa base era comandada pelo famoso Oswaldão. Faziam parte dessa base, 23 guerrilheiros, entre eles o ex deputado José Genoíno, João Amazonas (ex presidente do PCdoB) e a famosa Dina.

Até os índios Surui, que vivem ali próximo, foram induzidos a servir de guia, para encontrar os guerrilheiros.

Alguns moradores da Serra como o Beca e o Pedro Galego, mesmo contra a vontade, também serviram de guias.

Para quem gosta da história viva, a Serra das Andorinhas é um prato cheio!

No livro do Gorayeb, no capítulo “Importância Histórica da Serra das Andorinhas” Maria Virgínia Bastos de Mattos e Antonio Carlos Bastos de Mattos afirmam que a Guerrilha do Araguaia provocou a maior movimentação de tropas brasileiras deste a Segunda Guerra Mundial, e sem dúvida a maior realizada no interior do Brasil, em todos os tempos. Avalia-se que foram mobilizados entre 10 e 20 mil soldados. Para quem gosta da história viva, a Serra das Andorinhas é um prato cheio! Pois, além das deliciosas histórias sobre a vida e cultura local, ainda está muito vivo na memória de muitos moradores esse interessante e mal conhecido capítulo da história brasileira.


BIBLIOGRAFIA

GORAYEB, P.S.de S. Parque Martirios/

Andorinhas : Conhecimento, História e Preservação. EDUFPA 2008

MATTOS, M.V.B de – História de Maraba.

Fundação Casa da Cultura de Maraba. 2013

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