Ouço da janela o grito  das ambulâncias
os 10 andares separam
o meu ver do asfalto
os 10 pensares amparam
o meu ser do alto
na espetacular vista
dessa manhã de inverno
são 10 ambulâncias que entram
e saem no espaço de uma hora
10 esperanças se erguem
se sustentam por um fio.
Expectador inerte e mudo
que assiste a tudo
Oro para que sobrevivam 
não movo uma palha

mas também não julgo.

Ouço da janela o grito das ambulâncias
devem trazer um ciclista
atropelado e com os ossos à mostra
uma mocinha em trabalho de parto
um morador de rua com hipotermia
não sei exatamente a emergência
porque um ou outro tiveram tal sorte
não sei concretamente
se há culpados
ou responsáveis por tudo isso
sei que há uma luta
urgente
de vida ou morte.

Ouço da janela o grito das ambulâncias
que trazem
a adolescente suicida,
o eletrocutado,
o caído no poço,
o engasgado com o osso do frango,
o trespassado por uma barra de ferro,
o envenenado por remédio de rato,
o baleado por engano,
o da cabeça quebrada por uma vassoura,
o com coma alcoólico,
o que perdeu o braço.
são 10 ambulâncias que entram
e saem no espaço de urgente
10 esperanças se erguem
misteriosamente

Socorrista vira anjo, enfermeiro vira santo
10 sentimentos de dor dos estropiados

10 possibilidades de vida

10 sentimentos de amor
no coração do amigo, do vizinho, do parente

(as notícias correm como um raio) 

10 emoções se instalam
No miolo dessa gente.

Ouço da janela o grito  das ambulâncias
parecem galos urbanos
que anunciam o raiar do dia

cantam alto, cantam forte
até alcançar
o céu limpo do inverno

são 10 galos que cantam
e cantam no espaço de urgente
10 esperanças se erguem
misteriosamente.

SP, 24 de julho de 2021

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