É uma casa muito engraçada e fica na testa de um penhasco que olha para os glaciais do sul. Sarges chegou lá a pé desvencilhando-se do grupo de turistas que chegavam em blocos em vans, micro-ônibus, entravam em blocos na casa, fotografavam em bloco e iam embora em bloco em seus automóveis. O local e a casa são únicos, por isso a necessidade de vê-los com calma, paciência e silêncio, como quando se aprecia uma grande obra de arte. A Casapueblo para ser entendida é necessário um silêncio interior e um vazio no estômago para, no mínimo, gravitar em torno dessas coisas maiores que as casas e as aparências não nos permitem perceber, porque estão associadas ao consumir, ao mastigar, ao cuspir e ao excretar, sem cerimônia e sem pensamento, maquinalmente, como ordenam as embalagens. Aquela construção, às margens do Rio da Prata desvencilhou Sarges por algumas horas do que é lógico e do que é óbvio e o fez olhar pela fresta de uma luz que se chama… verdade… A verdade do ilógico, do surreal, de Gaudi, Dali, Miró, Cristo…Que inocência a de Sarges em querer interpretar a arte ao longo da história…quanto já se escreveu sobre a Casapueblo, quanto já foi derramado de tinta sobre o papel analisando as peripécias estéticas do pós-moderno Carlos Páez Vilaró? Quanto de crítica e lisonja aquela construção e tudo o que se tem dentro dela deve ter recebido ao longo das décadas, antes que Sarges chegasse ali, como um turista? E por que “Casapueblo”? E foi justamente com essa dúvida alimentada durante a adolescência, que ele entrou na Casapueblo de Vilaró, a “Casa Engraçada” de Vinícius de Moraes.

A Casapueblo de Vilaró não é óbvia, é obliqua, e por isso, como o poetinha afirmara, uma casa que não tinha nada. Nada além de quadros, esculturas, gravuras, tapeçarias, livros e poemas pelas paredes. Nada para esse besteirol superficial em que a vida foi transformada. “O nada está para o vazio como o tudo está para o infinito”, pensou Sarges, lembrando do verso do poetinha: “Ninguém podia entrar nela não, porque a casa não tinha chão”. Enigmático. Um mergulho na impossibilidade das coisas, explicando às crianças com clareza fantástica que a casa não tinha chão e pronto. Mas confundia os adultos pela vida toda com sua lógica de menino criativo.

A casa é engraçada. Manifestação contra a indústria do cimento retilíneo e seu amianto intoxicador e letal. Manifestação a favor do infinito, do tudo-circular.

O Turista Encarnado, Editora Meca (SP) – 2007.

Compartilhe:

DEIXE UMA RESPOSTA