Paulo Atzingen

Meu amigo Fidelis Paixão, um Argonauta, morreu de Covid-19, em Belém. Colega de faculdade, formou-se em Direito Ambiental e seguiu carreira defendendo causas ambientais e sociais naquele barril de pólvora que é o Estado do Pará, nesse cantil de TNT que é o Brasil.

É doloroso ver um amigo narrar o próprio infortúnio, descrever o que acontece nesse circo de horrores que se transformou o combate a Covid-19 neste país. Desde a sua notificação com o maldito vírus, o diagnóstico médico, a busca por um leito no hospital,  e sua ida para a UTI, Fidelis descreve tudo com a calma de um Argonauta grego, como se fosse apenas atravessar a Bahia do Guajará em direção à ilha do Marajó. Em sua nau de palavras, escreveu no último dia 4 de março, em sua página do Facebook:

O médico acabou de confirmar que serei transferido para uma UTI devido a gravidade da infecção nos pulmões. Já fui cadastrado e estamos aguardando a vaga”.

Era os anos 90 e o estudante de Direito Fidelis apareceu no pavilhão de Letras da Universidade Federal do Pará falando de um tal projeto ambiental denominado Argonautas, inspirado na mitologia…Era um militante das causas ambientais, era um navegante do bem, gostava de literatura, filosofia, arte e poesia. Ficamos amigos.

Fidelis era educador e estava em plena produção intelectual. Integrava a empresa Ajuricaba onde era advogado e consultor e também desenvolvia projetos na Draxos, consultoria e gestão ambiental.

É doloroso ver um amigo que consciente de seus deveres e direitos narra a incompetência de um governo e de um país, sendo ele mesmo a vítima da vez.

Fidelis apresentou os primeiros sintomas no dia 24 de fevereiro, veja seu relato:

“Migues, migas e migués, estou recluso desde ontem, com os sintomas do famigerado. Sendo medicado e acompanhando a evolução dos paranauês. 😔”

Um dia depois ele vai a um posto médico fazer o teste Covid RT-PCR mas não havia mais vaga.

No dia 26, no Hangar, faz uma espécie de desabafo-manifesto narrando as cinco horas de sufoco em uma espécie de triagem para fazer o teste:

“Vou relatar em desabafo isso apenas para que vocês se cuidem ou continuem se cuidando. Eu poderia ter procurado clínica particular pra fazer o RT-PCR mas algumas pessoas me disseram que o atendimento do Estado estava bom e ágil e como sou usuário e defensor do SUS lá fui eu ontem pro DEFID, não tinha mais vaga, então fui hoje no HANGAR. O atendimento não poderia ser mais precário, embaixo de lonas e armações improvisadas no estacionamento, num calor insuportável. Fiquei 5 horas nesse tormento, das 8:30h às 13:30h pulando de cadeira em cadeira, passei por três triagens (três) para ao final ouvir a médica me dizer que estou tomando a medicação correta (o que eu já sabia) e que não tinha mais testes hoje, para eu voltar amanhã. Agora imagine passar por isso com a cabeça e o corpo latejando de dor e febril (não só eu mas inúmeras pessoas). Se tem teste amanhã,  por que eles não estavam lá hoje? Isso é uma palhaçada da SESPA. Tudo bem que a procura tem aumentado muito nos últimos dias, mas por que não se organizar para a demanda?! Cuidem-se e não queiram passar por isso.”

Já no dia 4 de março, uma imagem forte, já com Fidelis usando a máscara de oxigênio e com aquela calma do início, relata:

O COVID me levou a internação esta noite, com 75% dos pulmões comprometidos. Peço as orações e vibrações dos amigos e amigas. Vou ficar bem, em nome de Jesus, com o suporte desses maravilhosos profissionais da saúde!

Percebam a positividade, o estado mental de Fidelis que mesmo diante de sua situação crítica, pede orações para os cristãos, vibrações para os metafísicos e deposita sua total confiança na equipe médica.

E ainda, no dia 4 de março, escreve suas últimas palavras:

Não consigo responder a todos e todas, mas sigo contando com as orações e boas vibrações. Gratidão.

A última palavra de Fidelis foi Gratidão.

Meu amigo argonauta cristão, embarcou para o Marajó. Que lá nessa ilha ele encontre todos os seus sonhos sonhados, porque aqui tudo o que ele havia de lutar, foi lutado.    

Gratidão.

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