por Paulo Atzingen – (Crônica que integra o 3º livro do autor “O Turista Encarnado” – Editora Meca – SP – 2007)

O parque da Água Branca se preenche de lembranças nestes sábados de manhã. Os trinta anos que separaram Sarges de seus detalhes e cores agora se abrem num espetáculo leve que faz com que ele suporte o inexorável espaço entre os sóis. O cheiro dos cavalos no estábulo lhe tatuou a memória numa certa vez em que seu pai o levou para ver os patos. Sarges não queria ver patos, queria ver cavalos e touros em sua rusticidade e braveza. Havia saído da fase Vila Sézamo e já adentrava o período western com os tiroteios dos caras-pálidas sobre as aldeias dos peles-vermelhas e os escalpos destes aplicados naqueles. Já vira também uma porção de pessoas pular do edifício em chamas e as enchentes do rio Tietê afogar uma família inteira. Nem imaginava que mesmo com o carinho dos pais sua alma já estava sendo moldada pela espátula do ambiente carbônico da cidade com seus labirintos e espelhos. O parque da Água Branca era uma simulação bem feita do passado: uma terra escura que ficara pelos lados do Mato Grosso, cortada por um rio sem nome cheio de troncos de árvores, barro e felicidade de menino que se encantava com o sino no pescoço dos bodes.

O cheiro do estábulo, dos cavalos e dos bois na Água Branca fez Iolando Sarges perguntar ao pai com uma falsa inocência:

Pai… todos nós vamos virar estrume? O pai se assustara com esse tipo de pergunta desconversou com uma resposta que o encaixou em seu devido lugar de criança…

Eu não sei o que você vai ser quando crescer, moleque.

O velho pé de ipê-roxo está no mesmo lugar, mais alto, mais belo e mais vivo distribuindo cores para quem ainda pode vê-las, observa Sarges, trinta anos depois. Aqueles jovens atletas hoje sentam-se no banco de mármore e lêem o jornal ou jogam dominó com seus colegas aposentados, e suas companheiras caminham lentamente entre as sombras das árvores adiando a lei que decreta sulcos no rosto. O menino clarinho cacimba dágua dá seus primeiros passos na picada de pedriscos, escoltado pela mãe protetora; a fotossíntese bolina os átomos das folhas, o cantar do sabiá embeleza o instante, um vento de quatro estações encaracola os cabelos e Sarges, a pensar no estrume das plantas.

 

 

 

 

 

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