Nesta terceira parte do Memórias dos Martirios/Serra das Andorinhas, o biólogo e pesquisador Noé von Atzingen descreve os Grupos indígenas que viviam originalmente na região do baixo-Araguaia e baixo-Tocantins.

Desde tempos imemoriais, as margens dos majestosos rios Araguaia e Tocantins foram densamente habitadas. Prova concreta disto, são os muitos sítios arqueológicos, abrigos sob-rochas com comprovada ocupação antiga e grafismos rupestres encontrados nas adjacências das margens destes rios.

Por Noé von Atzingen – Setembro de 2023

Os registros indicam que vários grupos indígenas viviam ou perambulavam na região do baixo Araguaia e do baixo Tocantins. Faremos um breve apanhado dos grupos que foram observados principalmente por Coudreau em sua Voyage au AraguayaTocantins em 1 879, entre a região de Tucuruí (antiga Alcobaça) até Xambioá:

A margem direita do rio Tocantins, próximo a Alcobaça, até a confluência com o Araguaia, era território dos Gavião. Na mesma região, próximo a Breu Branco, Coudreau refere-se a uma única maloca de indígenas Anambé. Seriam os Amanagé, que atualmente vivem próximos àquela região? Na margem esquerda do rio Tocantins, proximo a Alcobaça, Coudreau relata a existência dos Tapirapé. Atualmente na região está a Terra Indígena Trocará, da etnia Assurini.

Andorinhas
O casal Condreau

“Etnia incomum”

Subindo o rio Tocantins, já próximo à Itupiranga, Coudreau refere-se a uma “etnia incomum” provavelmente sejam os Parakanan que atualmente vivem na área. Mais acima, no interior da região do Burgo do Itacaiunas, na margem esquerda do rio
Tocantins, era território das grandes nações Kayapo e Xikrin, cuja influência se estendia até a região de Santa Maria das Barreiras no extremo sul do estado do Pará. Já a área da etnia Karajá, abrangia parte da ilha do Bananal e se estendia para o norte até Xambioá.

 

Margem esquerda

Passemos agora para a margem esquerda do rio Araguaia, próximo a São João do Araguaia: Ali vivia o grupo Apinajé/Xerente, cuja área de perambulação chegava até a Cachoeira Grande ( Santa Izabel).

Atualmente os Apinajé/Xerente vivem na terra indígena Xerente, próxima à cidade de Tocantinópolis, no Estado do Tocantins.
Na região da Serra das Andorinhas, vivem atualmente os Aikewara ( Surui) que não são referidos na obra de Coudreau. Os Aikewara me relataram que desde os tempos antigos, a Serra das Andorinhas era frequentada por eles para caça, pesca, coleta de frutos e coleta de taboca para flechas.

A região entre os dois grandes rios, hoje conhecida como Bico do Papagaio, era área de perambulação e confrontos entre os Karajá, Kayapó, Gorotire, Xavante, Apinage/ Xerente e Xambioá. Acreditamos que pela proximidade geográfica a etnia Krahô também por ali perambulava. Estes grupos, em várias ocasiões, se juntaram para defender seus territórios dos invasores brancos.

Etnia Karaja

Coudreau relata que na margem direita do Araguaia, na região de Xambioá , no Estado do Tocantins, vivia a etnia Karaja/ Xambioá, dispersa em pequenos grupos:
Acima de Xambioá, na região do igarapé das Lontras, Coudreau informa a existência de duas pequenas aldeias Karajá nas ilhas do Perdido. A Aldeia do Perdido com 3 malocas e 15 habitantes e a Aldeia do Cadete Pedro com 2 malocas e 10 habitantes .

Pouco mais acima, na região do travessão da Barreira Branca, descreve outra pequena aldeia Karajá. A aldeia do Raphael, com 4 malocas e 20 habitantes.
Em 15 de março de 1897, logo acima das corredeiras de Itaipavas, Coudreau chega à aldeia do Higino, com 15 malocas e cerca de 60 habitantes. Pouco mais acima, no rio Araguaia, encontra a pequena Aldeia Dereké, com uma única maloca grande, abrigando 25 pessoas.

Coudreau narra a terrível situação dos Karajá; “Povo disperso pelas guerras com outros grupos e com o branco, com fome, muitas doenças, sem roças…Ele coloca em dúvida a existência futura da etnia. Narra a luta dos padres Dominicanos para salva-los ‘I Les dominicains de Ia Barreira eux-memes nl enttretiennent plus à I l endroit des Carajas que I l esperance de sauver quelques enfants dans le naufrage de Ia nacion, amenant à Ia civilisation par I l école Ia progéniture des derniers Carajas ‘l

Coudreau, relata ainda que o grupo Karajá/
Xambioá esta reduzido a 195 pessoas, sendo que no passado sua população chegava a 1.350 indivíduos!

A etnia Caraja

Tempos atuais

Atualmente, na região destas últimas aldeias, está a Terra indígena Xambioá, muito provavelmente são descendentes daqueles pequenos grupos que estavam à beira da extinção! Atualmente os Xambioá se dividem em cinco aldeias e sua população ultrapassa 600 pessoas.

Lamentavelmente não falam mais sua língua ancestral e suas tradições estão bastante diluídas.

Para se ter uma ideia do poderio dos grupos indígenas da época, em 1813 é relatada a completa destruição do presídio de Santa Maria do Araguaia, hoje cidade de Couto de Magalhães, no estado do Tocantins, pela coligação Xerente, Karajá, Xavante. Este presídio foi destruído pelos aguerridos indígenas por três vezes !

Relata tambem que o Presídio de São José dos Martyrios foi também atacado várias vezes pelos indígenas das etnias Karaja, Kayapó e Xikrin. Atualmente é possível estabelecer várias das antigas ocupações indígenas na região do baixo Araguaia e baixo Tocantins, através dos mais de 50 sítios arqueológicos que documentamos nas décadas de 1980/ 90. É também possível identificar alguns dos assentamentos indígenas através da manutenção dos nomes antigos de localidades que felizmente sobreviveram ao tempo, como Araguanã, Itaipavas, Xambioá e Apinajes. Pelo menos dois deles estão ainda relativamente próximos das suas antigas aldeias; os Xambioa/Karajá que estão assentados atualmente no município de Santa Fé do Araguaia, em território junto ao Rio Araguaia, cerca de 100 km a sudoeste da cidade de Xambioá e os Apinajé (Xerente) cujo território , no estado do Tocantins, está entre as cidades de Tocantinópolis e Cachoeirinha. Atualmente este grupo está próximo ao Rio Tocantins, cerca de 150 KM a sudeste da sua antiga morada, a Vila de Apinajés no estado do Pará.

AGRADECIMENTO
Meus agradecimentos a querida Virgínia Mattos por suas sugestões e correções.
Os desenhos que ilustram esta publicação são do livro: Voyage au Tocantins-Araguaya.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO
* Coudreau, H 1897 Voyage au TocantinsAraguaya. Paris, A. Lahure, Imprimeur-editeur *Couto de Magalhães, O Selvagem . Edusp.- 1975
* Meirelles, J.F. 2009 Grandes Expedições à Amazônia Brasileira. 1500-1930. Metalivros
* Nimuendaju, C. 1 981 Mapa etno-histórico IBGE.

 

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